Sem dúvida, o Espírito Santo impressionará também a pessoas de condições mais exigentes, pois aquilo que pode ser entendido pela pessoa iletrada não é, necessariamente, menos atrativo para a pessoa instruída. Ah! Que alguns que alguns dos leitores possam se tornar grandes ganhadores de almas! Quem sabe quantas pessoas encontrarão o caminho da paz por meio do que lerem aqui? Mais importante: Será você uma delas?
Certo homem construiu um chafariz para captar água de uma fonte à beira de um caminho, afixando, ali, uma corrente que prendia uma caneca. Algum tempo depois, foi-lhe dito que um grande crítico de arte teria comentado com desprezo sobre as linhas do projeto. “Mas”, perguntou ele, “muitas pessoas beberam de suas águas?” Quando lhe responderam que milhares de sedentos passantes, homens, mulheres e crianças, haviam saciado a sede nessa fonte, o homem sorriu, e disse que não se atribulava muito com a observação, mas que esperava que, em um dia quente de verão, o próprio crítico enchesse o copo e, refrescado, louvasse o nome do Senhor. Ai aqui a fonte, e eis aqui meu copo: despreze a arte, se quiser; mas beba da água da vida. Só isso me importa. Prefiro abençoar a alma do pobre passante a agradar ao homem nobre, deixando de convertê-lo ao Senhor. Leitor, você está disposto a ler estas páginas com seriedade? Se estiver, nós concordamos, logo de início.
Lembre-se de que o objetivo, aqui, é o de encontrar o Senhor Jesus e os céus. Ah! Que façamos isto, juntos! De minha parte, dedico este livreto ao Senhor, em oração. Você se juntaria a mim, voltando-se para Deus e pedindo sua bênção sobre a leitura? A providência divina colocou estas páginas em seu caminho e você se dispõe a usar um pouco do seu tempo para dar atenção às suas palavras. Esses são bons sinais. Quem sabe? Talvez, tempos de benções tenham chegado à sua vida. O Espírito Santo disse: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração”.
Onde nos encontramos
Ouvi, certa vez, uma história: um pastor chamado para ajudar uma senhora dispôs- se a fazê-lo, considerando sua extrema pobreza. Com o dinheiro em mãos, bateu à sua porta, mas a senhora não o atendeu. Concluindo que ela não estivesse em casa, seguiu seu caminho. Pouco tempo depois, o pastor encontrou-se com a tal senhora, na igreja, e disse- lhe que havia se lembrado de sua necessidade. “Fui à sua casa, bati diversas vezes à porta e conclui que a senhora não estivesse em casa”. A isso, ela perguntou: “A que horas o senhor esteve lá?” “Por volta do meio-dia”, disse ele; e ouviu: “Oh! Pastor, eu ouvi suas batidas à porta e sinto muito que não tenha atendido; pensei que fosse o meu senhorio que teria vindo para cobrar o aluguel”. Muitas pessoas sabem o que isso significa. Agora, eu desejo ser ouvido; e quero dizer que não venho para cobrar aluguel; de fato, não é o objetivo deste livro pedir qualquer coisa sua, mas dizer-lhe que a salvação é pela graça, o que significa, Tudo pela Graça, grátis, sem pedir nada em troca. Frequentemente, quando mostramos demasiada ansiedade para atrair a atenção de nosso ouvinte, ele pensa: “Ah! Agora vou ouvir sobre o quanto eu devo. Esse é o homem que veio cobrar minha dívida para com Deus. Acho melhor ‘não estar em casa’”. Não, este livro não vem para fazer nenhuma reivindicação, mas para lhe oferecer alguma coisa. Não vamos falar sobre lei, dever, punição, mas, sim, sobre o amor, a bondade, o perdão, a misericórdia e a vida eterna de Deus. Assim, não aja como se não estivesse em casa; não se faça de surdo nem indisponha o coração. Nada peço em nome de Deus ou dos homens; nada desejo requerer de suas mãos; antes, venho em nome do Senhor para trazer um presente que será para seu prazer, agora e para sempre. Abra a porta e deixe entrar meus apelos.
Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor” (Isaías 1.18).
O próprio Senhor nos convida para um diálogo com respeito à sua imediata e permanente felicidade, e ele não teria feito isso se não quisesse o seu bem. Não rejeite ao Senhor, o qual bate à sua porta, pois ele bate com a mão que foi pregada na cruz por pessoas como eu e você. Uma vez que o único objetivo de Jesus é o seu bem, incline seu ouvido e permita que a boa palavra penetre sua alma. Poderá ser que tenha chegado a hora de você adentrar uma nova vida que seja o início do céu. A fé vem pelo ouvir, e ler é uma forma de ouvir: a fé talvez tenha chegado até você na leitura deste livro. Por que não? Oh! Espírito de Deus, torna isso possível!
O Deus que justifica o ímpio
Sua mensagem é para você. Você achará o texto da mensagem na Epístola aos Romanos, no quarto capítulo, versículo quinto: Ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça. Chamo sua atenção à palavras: “naquele que justifica o ímpio”. Tais palavras soam maravilhosas aos meus ouvidos. Você não se surpreende ao ler uma expressão como essa, na Bíblia: O Deus que justifica o ímpio? Tenho ouvido que o homem que odeia as doutrinas da cruz se utiliza delas para levantar acusação contra o próprio Deus, o mesmo que salva o ímpio e recebe para si mesmo o mais vil dos pecadores. Veja como a Escritura recebe tal acusação e como declara sua resposta. Por boca de seu servo, Paulo, por meio da inspiração do Espírito Santo, Deus toma o título de “Aquele que justifica o ímpio”. Ele faz justo os injustos, perdoa aqueles que merecem ser punidos e favorece aos que não merecem favor.
Você pensava que a salvação seria para os bons, não pensava? Que a graça de Deus fosse para os puros e santos, para os que estivessem livres de pecado? Deve ter passado pela sua cabeça que, se você fosse excelente, então, Deus o recompensaria; e isso deve ter causado um outro pensamento: você não seria tão bom e, portanto, não seria digno da salvação; não haveria meio de usufruir o favor de Deus. Você deve ter se surpreendido ao ler este texto: “Aquele que justifica o ímpio”. Não me admira que você o faça, pois, com toda minha familiaridade com a imensa graça de Deus, não deixo de me surpreender diante dela. Não é realmente notável que seja possível que um Deus santo justifique um ímpio? Nós, segundo o legalismo de nosso coração, estamos sempre trazendo à baila nossa própria bondade e valor. Teimosamente, apegamo- nos àquilo que julgamos ser necessário para conquistar a atenção de Deus. No entanto, Deus, que vê através de todos os enganos, sabe que em nós não há nenhuma bondade.
Ele diz que “Não há justo, nem um sequer” (Romanos 3.10). Ele sabe que “todas as nossas justiças (são) como trapo da imundícia”. Portanto, o Senhor Jesus Cristo não veio ao mundo em busca de bondade e justiça, mas para trazer tais virtudes sobre pessoas que não têm nenhum traço de bondade e justiça. Ele veio, não porque fôssemos justos, mas para fazer-nos justos; ele justifica o ímpio. Ao entrar num tribunal para defender alguém, um advogado honesto deveria desejar o livramento de todas as acusações que pesassem sobre seu cliente. Seu objetivo deveria ser o de alegar a inocência do justo e defender o culpado. O que não cabe ao homem, entretanto, nem está em seu poder, é realmente justificar o culpado. Tal milagre é reservado somente para o Senhor. Deus, o soberano e infinitamente justo, sabe que não há homem sobre a terra que sempre faça o bem e que não peque.
Assim, na infinita soberania de sua natureza divina e no esplendor de seu amor indizível, ele assume a tarefa de justificar o injusto. Deus executa seus planos e meios para fazer a pessoa injusta ser aceitável em sua presença. Deus montou um sistema de perfeita justiça para tratar com o culpado como se ele fosse livre de qualquer ofensa, sim, como se fosse livre de pecado. Deus justifica o ímpio. Jesus Cristo veio ao mundo para salvar pecadores. Isso é coisa surpreendente – algo que maravilha a quantos gozam de seu favor. Para mim, essa é, ainda hoje, a maior maravilha que já ouvi – que Deus tenha justificado exatamente a mim. Pelo que já vivi, sinto que sou um amontoado de indignidade, uma massa de corrupção e um poço de pecado, separado do elevado amor de Deus. No entanto, sei, com toda segurança, que estou justificado em Cristo Jesus e que sou tratado como se eu mesmo fosse perfeitamente justo, sendo feito herdeiro juntamente com Cristo.
Ainda assim, por natureza, ocupo meu lugar entre os mais pecadores. Eu, que sou totalmente indigno, sou tratado como “merecedor”. Sou amado com tamanho amor como se sempre tivesse sido uma pessoa piedosa, mesmo que, um dia, tenha sido ímpio. Quem não ficaria espantado diante de tais coisas? A gratidão por tal favor se reveste de maravilha. Agora, conquanto isso seja tão surpreendente, quero que note o quanto a justificação de Deus torna o evangelho acessível a você e a mim. Se Deus justifica o ímpio, então, caro amigo, ele poderá justificar você. Não é esse, de fato, o tipo de pessoa que você é? Se até neste momento, você não se converteu, tal descrição é bastante apropriada: você tem vivido sem Deus, sendo o reverso da piedade; em uma palavra, você tem sido ímpio. Talvez você nem se incomode com o fato de não prestar culto a Deus, de não honrá-lo aos domingos e de não ir à sua casa para ouvir a sua Palavra, a Bíblia – isso prova sua impiedade.
Mais triste ainda, pode ser que você tenha tentado até mesmo duvidar da existência de Deus, chegando a dizer que não cria nele. Você tem vivido nesta terra repleta de sinais de sua presença, e no entanto, tem fechado os olhos para as claras evidências de seu poder e soberania. Você tem vivido como se não houvesse Deus. De fato, você se sentiria bem servido se pudesse demonstrar a si mesmo que Deus realmente não existe. É possível que você venha vivendo assim por tantos anos que já se sinta confortável em seus caminhos – sem considerar a Deus em nenhum deles. O termo ímpio descreve seu caráter da mesma maneira que a palavra salgada descreve a água do mar. Por que não? Poderá ser, também, que você seja um outro tipo de pessoa. Segue regularmente todas as formas externas de religião, mas, ainda assim, não põe realmente o coração em nenhuma delas, sendo, na verdade, um ímpio. Ainda que se reúna com o povo de Deus, jamais teve um encontro pessoal com ele; canta no coral da igreja, mas jamais louvou a Deus de todo coração. Tem vivido sem nenhum amor por Deus no coração, sem considerar nenhum dos seus mandamentos em sua própria vida. Bem, você é exatamente o tipo de pessoa para o qual o evangelho foi enviado – o evangelho que diz que Deus justifica o ímpio. Tal mensagem é maravilhosa e cabe-lhe muito bem. Não cabe? Como eu desejo que você a aceite! Se você for uma pessoa sensível, certamente verá quão notável é a graça de Deus providenciada especialmente para você, e dirá: “Justifica o ímpio. Justifica-me de uma vez por todas”. Então, observe mais, que isso deve mesmo ser assim – que a salvação de Deus é para aqueles que não a merecem e que não estão preparados para recebê-la. É razoável que tal declaração esteja na Bíblia, pois, caro amigo, ninguém precisa de justificação senão aqueles que não tem justificação própria. Se quaisquer dos meus leitores forem perfeitamente justos, não precisarão de justificação.
Se você sente que está cumprindo bem os seus deveres, quase que colocando os céus sob obrigação a seu próprio respeito, por que precisaria de um Salvador ou de misericórdia? Por que precisaria de justificação? A esta altura já está cansado de tudo isto, pois o meu livro não tem interesse nenhum para você. Se quaisquer dos meus leitores se dão ares de orgulho, ouçam-me um pouco mais: você estarão perdidos, tão certo como estão vivos agora. Vocês, homens justos, cujas justiças são as próprias obras, estão certamente enganando ou sendo enganados. A Escritura que não pode mentir, diz claramente: “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus” (Romanos 3.10-11). Nesse caso, eu não tenho um evangelho para pregar ao justo. Não, sequer uma palavra dele. O próprio Jesus Cristo veio, não para chamar os justos, e eu mesmo não farei o que ele não fez. Até mesmo, se eu o chamasse, você não viria; portanto, não o chamarei sob tal caráter de autojustificação. Não; antes, proponho que você olhe de perto essa sua “retidão”, até que veja quanto ela é ilusória. É menos substancial do que uma teia de aranha. Acabe com isso! Fuja dessa teia! Creia que as únicas pessoas que realmente precisam de justificação são aquelas que não são justas em si mesmas! Tais pessoas precisam de que algo seja feito para torná-las justas diante do trono de Deus. Diante disso, o Senhor só faz o que é preciso. O poder infinito jamais faz senão o que é necessário. Jesus jamais assumiu fazer o que é supérfluo. Tornar justo o que já é justo não é trabalho para Deus, pois esta é uma tarefa para o tolo. Entretanto, tornar justo aquele que é injusto, essa é uma obra de infinito amor e misericórdia. Justificar o ímpio – esse é um milagre digno de Deus. Certamente é! Veja ainda isto: se em qualquer lugar do mundo houver um médico que tenha descoberto remédios seguros e eficazes, a quem seria ele enviado? Àqueles cheios de saúde? Acho que não.
Coloque-o numa comunidade que não tenha enfermos, e ele se sentirá completamente deslocado. Nada haverá que ele possa fazer. “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes”. Não é igualmente claro que os grandes remédios da graça e da redenção são para os doentes da alma? Não podem ser para pessoas sadias, as quais não têm uso para remédios. Mas, se você, prezado amigo, sente-se espiritualmente enfermo, o Médico veio ao mundo para você. Caso se sinta totalmente inadequado em função do seu pecado, você é a pessoa objetivada pelo plano da salvação. Digo que o Senhor de amor tinha em vista pessoas exatamente como você quando planejou seu sistema de graça. Suponha que uma pessoa de espírito generoso resolvesse perdoar todos aqueles que estivessem em débito para com ele; é claro que tal perdão somente se aplicaria àqueles que realmente estivessem em débito. Uma pessoa lhe deve mil reais, outra, cinquenta; cada uma terá seu débito perdoado e sua conta quitada.
Mas a mais generosa das pessoas jamais poderá perdoar os débitos daqueles que nada lhe devem. Está fora do poder do Onisciente perdoar onde não houver pecado. O perdão é dado ao culpado. O perdão é para o pecador. Será absurdo falar de perdão a quem não precisa dele – perdão para os que nunca cometeram ofensas. Você acha que está perdido por causa de ser um pecador? Esta é exatamente a razão pela qual você precisa ser salvo! Exatamente porque você é um pecador é que eu o encorajo a crer que a graça lhe é concedida. Um de nossos hinólogos ousou escrever: Um pecador é feito santo; O Santo Espírito o refez. É verdadeiro, pois, que Jesus veio buscar e salvar aquele que se havia perdido. Ele morreu e consumou uma real expiação para reais pecadores. Estimo imensamente encontrar pessoas que não estejam brincando com palavras ou exercendo mera autorrecreação quando chamam a si mesmas de miseráveis pecadores. Apreciaria falar durante a noite inteira com pecadores de boa fé.
O refúgio da misericórdia jamais fecha as portas para tais pessoas, nem mesmo aos fins de semana e aos domingos. Nosso Senhor Jesus Cristo não morreu por causa de pecados imaginários, mas o sangue do seu coração foi derramado para lavar nossas mais profundas nódoas sangrentas que nada mais pode remover. Aquele que é um pecador maculado é exatamente o tipo de pessoa que o Senhor veio para purificar. Um pregador do evangelho, certa vez, pregou um sermão sobre o tema: “Já está posto o machado à raiz das árvores”, e o proferiu de tal maneira que um de seus ouvintes comentou: “Poder-se-ia dizer que o senhor estava pregando para criminosos. Seria um bom sermão para ser pregado num presídio”. “Oh! Não”, disse o bom homem, “se estivesse pregando num presídio, não seria sobre este texto, antes, pregaria sobre: ‘Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal’”. É assim.
A lei é para o justo em si mesmo a fim de quebrar seu orgulho; o evangelho é para o perdido a fim de remover seu desespero. Se você não estiver perdido, por que necessitará de um Salvador? Deveria, o pastor, ir atrás da ovelha que não se perdeu? Por que deveria a mulher varrer a casa em busca de moedas que chamais saíram de sua bolsa? Não, o remédio é para o enfermo, a preparação é para o morto, o perdão é para o pecador; a libertação é para o cativo e o abrir dos olhos é para o cego. Como podem ser levados em conta o Salvador, sua morte na cruz e o evangelho do perdão, a menos que seja com base na presunção de que as pessoas são culpadas e merecedoras de condenação? O pecador é a razão para a existência do evangelho. Meu amigo, a quem essa palavra vem agora: se julga que nada merece senão a dor e o inferno, você é exatamente o tipo de pessoa a quem o evangelho é ordenado, estudado e proclamado. Deus justifica o ímpio. Quero deixar isso bem claro. Espero que já o tenha feito; entretanto, por mais claro que esteja, somente o Senhor poderá fazê-lo ver. À primeira vista, parece improvável que a salvação seja oferecida a uma pessoa culpada e perdida. Talvez essa pessoa pense que a salvação deveria ser oferecida para o penitente, esquecida de que a penitência faz parte dela. “Oh”, diz ela, “eu tenho de ser assim e assim” – o que seria verdadeiro, pois ela deverá ser assim e assim como resultado da salvação; mas a salvação vem à pessoa antes que ela tenha tais resultados. Vem até ela, de fato, enquanto ela merece apenas a simples, pura, básica, miserável e abominável descrição de ímpia. Isso é tudo o que ela é quando o evangelho de Deus chega para justificá-la.
Possa eu, portanto, ser bem sucedido em instar com qualquer pessoa que não tem nenhum valor em si mesma – que tema jamais ter provado um bom sentimento ou outra coisa que o recomende a Deus – que creia firmemente que nosso gracioso Deus é capaz e disposto a tomá-la sem recomendação nenhuma, e perdoá-la espontaneamente, não porque ela seja boa, mas porque ele é bom. Porventura ele não faz brilhar o sol sobre a mais iníqua das nações? Não dá, ele, a estação frutífera e faz cair a chuva sobre as nações ímpias? Sim, até mesmo Sodoma teve o seu sol e Gomorra, seu orvalho. Ó amigo, a imensa graça de Deus sobrepuja os meus e os seus conceitos, e eu queria que você pensasse altamente sobre isso” Tão alto como os céus estão sobre a terra, assim estão os pensamentos de Deus sobre os nossos pensamentos. Ele tem abundante perdão. Jesus Cristo veio ao mundo para salvar pecadores: perdão é para o culpado. Não tente se erguer e fazer de si mesmo algo mais do que você realmente é; mas venha, como está, até Aquele que justifica o ímpio. Um grande artista, há algum tempo, pintou uma parede da sede de uma corporação, na cidade em que vivia, e quis, por razões históricas, incluir em sua pintura alguns caracteres bem conhecidos do povo. Um homem das ruas, malcuidado, esfarrapado e sujo era personagem do cotidiano e figura adequada para a pintura. O artista disse ao tal homem: “Pagarei bem, se você vier ao meu estúdio e deixar-me retratá-lo”. Na manhã seguinte, o homem apareceu no estúdio do pintor... mas logo perdeu seu “emprego”. Ele havia lavado o rosto, penteado o cabelo e vestido um respeitável conjunto de roupa. Foi chamado como mendigo e não convidado em qualquer outra condição. Assim também, o evangelho o receberá em seus átrios, se você vier como pecador, não de qualquer outro modo. Não espere até que esteja “recuperado”, mas venha de uma vez para a salvação. Deus justifica o ímpio, tomando-o de onde você se encontra: ele nos encontra em nosso pior estado.
Venha em sua desabilidade. O que quero dizer é: venha ao Pai celeste, trazendo seu pecado e sua pecabilidade. Venha a Jesus assim como você é, enfermo, sujo, nu, não preparado para viver e despreparado para morrer. Venha, você que é o próprio andarilho da criação; venha, você que sequer ousa ter esperança de mais nada senão a morte. Venha, mesmo que o desespero paire sobre sua cabeça, oprimindo-lhe o peito como horrível pesadelo. Venha e peça a Deus que justifique outro ímpio. Por que ele não o faria? Venha, pois tal imensa graça de Deus é para pessoas tais como você. Coloco isso na linguagem do texto bíblico, e não poderia fazê-lo de modo mais contundente: o próprio Senhor Deus toma para si mesmo o título de “Aquele que justifica o ímpio”. Ele faz justos em Cristo, e trata como justos, àqueles que são ímpios por natureza. Não é esta uma palavra maravilhosa aos seus ouvidos? Leitor, não protele a consideração desta questão.
É Deus quem justifica
Maravilhosa coisa é ser justificado ou feito justo por Deus. Se jamais tivéssemos quebrado as leis de Deus, não teríamos necessidade disso, pois seríamos justos em nós mesmos. Aquele que durante toda a vida fez o que deveria ter feito e que jamais fez o que não deveria fazer é justificado pela lei. Mas estou certo, caro leitor, que você não é esse tipo de pessoa. Você é muito honesto para fingir que não tem pecado e, portanto, precisa ser justificado. Caso insista em justificar a si mesmo, você estará simplesmente enganando a si mesmo. Portanto, não tente fazê-lo. Não valerá a pena. Se você pedir que o justifiquem, o que os seus companheiros mortais poderão fazer? Talvez consiga, até mesmo, que alguns deles falem bem de você em troca de pequenos favores; outros, por menos, falarão mal às suas costas. O julgamento dos homens não vale muito. Outro texto bíblico diz: “É Deus quem os justifica” (Romanos 8.33).
Isto sim, vale muito mais do que tudo que possa ser dito. Tal fato é impressionante e deve ser bem considerado. “Vem e vê”. Em primeiro lugar, ninguém mais senão Deus jamais teria pensado em justificar àqueles que são culpados. Viveram a vida inteira em rebelião aberta; fizeram o mal com ambas as mãos; foram de mal a pior; voltaram-se para o pecado, até mesmo, depois de o haverem sofrido e obrigados a deixá-lo durante certo tempo. Quebraram a lei e calcaram aos pés o evangelho. Recusaram-se a ouvir a proclamação da misericórdia e persistiram na impiedade. Como poderão ser perdoados e justificados? Seus amigos, desalentados quanto a eles, dizem: “São casos sem esperança”. Até mesmo, os cristãos os olham com tristeza em vez de com esperança. Mas não seu Deus! Ele, no esplendor de sua graça eletiva, tendo escolhido alguns antes da fundação do mundo, não descansará até que os tenha justificado. Não está escrito: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8.30). Se você vê que há alguns aos quais o Senhor resolveu justificar, por que não concluir que você estaria também entre eles? Ninguém senão Deus pensaria em justificar a mim, tão pecador. Sou uma admiração para mim mesmo. Duvido que a graça não seja igualmente vista em outras pessoas. Veja Saulo de Tarso, que vociferou contra os servos do Senhor. Como lobo faminto, aterrorizou os cordeiros e as ovelhas à direita e à esquerda; e, ainda assim, Deus foi ao seu encontro no caminho de Damasco, e mudou seu coração, justificando-o tão completamente que, mais tarde, esse homem tornou-se o maior pregador da justificação pela graça mediante a fé que jamais viveu. Ele se maravilhou, muitas vezes, de que tivesse sido justificado pela fé em Jesus Cristo, pois que fora antes seguidor determinado da salvação por meio da lei.
Ninguém senão Deus jamais pensaria em justificar um homem como Paulo, o perseguidor. Contudo, o Senhor Deus é glorioso em graça. Contudo, ainda que alguém tivesse pensado em justificar o ímpio, ninguém senão Deus poderia tê-lo feito. É quase impossível que alguém possa perdoar ofensas que não tenham sido cometidas contra ele mesmo. Se uma pessoa pecar contra você, você mesmo poderá perdoá-la, e eu espero que o faça; mas nenhuma outra pessoa humana poderá fazê-lo em seu lugar. Se o mal foi cometido contra você, o perdão tem de vir de você. Quando pecamos contra Deus, está em seu poder nos perdoar, pois o pecado foi cometido contra ele. Por isso é que Davi diz: “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os teus olhos” (Salmos 51.4), pois só Deus, contra quem a ofensa foi cometida, pode dirimir a ofensa. Aquilo que devemos a Deus, nosso grande Criador pode pagar, se lhe aprouver; e se ele remir, estará remido.
Ninguém a não ser Deus, contra quem cometemos pecado, poderá apagar nosso pecado. Assim, vejamos que cheguemos a Deus e busquemos misericórdia em suas mãos. Não nos deixemos levar por aqueles que desejam que lhes confessemos nossos pecados; eles não têm garantia na Palavra de Deus para suas pretensões. Mas até mesmo, se tais religiosos ou seculares forem ordenados ou reconhecidos para pronunciar absolvição em nome de seu deus, ainda assim será melhor que nos acheguemos ao grande Senhor Jesus Cristo, o Mediador, e busquemos perdão em suas mãos, pois temos certeza de ser este o melhor caminho. Religião por procuração envolve risco muito grande: melhor será que você mesmo examine as coisas de sua alma e, então, deixe-as nas mãos do único Deus que pode justificar o ímpio – e que o faz com perfeição. Ele lança os nossos pecados sobre seus próprios ombros e os apaga. Diz que, ainda que nossos pecados sejam procurados, jamais serão achados.
Sem qualquer outra razão que não a sua própria infinita bondade, ele preparou uma maneira pela qual ele pode fazer que pecados vermelhos como a escarlata tornem-se brancos como a neve, e remover nossas transgressões para tão longe quanto dista o oriente do ocidente. Ele diz: “Dos seus pecados jamais me lembrarei”. Ele põe um fim ao pecado. Um dos antigos clamou maravilhado: “Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a iniqüidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O Senhor não retém a sua ira para sempre, porque tem prazer na misericórdia” (Miquéias 7.18). Não estamos, agora, falando de justiça nem de como Deus lida com o homem segundo suas obras. Se fosse professar uma operação segundo a justiça do Senhor ou em termos de sua lei, a ira perene certamente seria uma ameaça, pois é o que você merece. Bendito seja o seu nome, pois ele não nos trata segundo os nossos pecados, mas, agora, em termos de graça e de gratuidade, com infinita compaixão.
A Palavra também diz: “sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3:24). Creia, pois certamente é verdadeiro, que o grande Deus é poderoso para tratar a culpa com abundante misericórdia. Sim, ele é capaz para tratar os ímpios como se tivessem sempre sido piedosos. Leia cuidadosamente a parábola do Filho Pródigo (Lucas 15) e veja como o pai perdoador recebe o filho perdido que retorna à casa, com amor tal como se ele nunca houvesse partido, como se nunca houvesse esbanjado e prostituído. Tão logo o pai o recebeu, o irmão mais velho começou a murmurar, mas o pai jamais deixou de amá-lo. Ó meu amigo, não importando quão culpado seja, se você apenas retornar ao seu Deus e Pai, ele o tratará como se nada de errado tivesse acontecido! O Pai o considerará como justo e o tratará conforme a justiça de Cristo. O que é que você diz a isso?
Você não vê – eu quero deixar bem claro tal esplendor – que ninguém exceto Deus pensaria em justificar o ímpio, coisa que ninguém mais pode fazer, e que ele fez? Veja como o apóstolo coloca o desafio: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica”. Se Deus justificou alguém, está feito, está corretamente feito, justamente feito, e para sempre. Li uma declaração em uma revista repleta de veneno contra o evangelho e contra os que o pregam, sustentando um tipo de teoria que imaginava que o pecado poderia ser removido da pessoa. Certamente não mantemos uma teoria, mas declaramos um fato. O maior fato sob os céus: que Jesus Cristo, pelo seu precioso sangue, realmente afasta de nós o pecado, e que Deus, por amor de Cristo, lida com as pessoas em termos de sua misericórdia, perdoando e justificando os culpados, não segundo qualquer coisa que veja neles agora ou para o futuro, mas segundo as riquezas de misericórdia de seu próprio coração.
Isto é o que temos anunciado, anunciamos e continuaremos a anunciar enquanto vivermos aqui. “É Deus quem justifica” – que justifica o ímpio. Ele não se envergonha disso nem nós nos envergonhamos de proclamá-lo. A justificação que vem do próprio Deus não deixa sombra de dúvida. Se o Juiz superior me inocenta, quem me condenará? Se o mais alto tribunal no universo pronuncia- me justo, quem poderá apor acusação? A justificação que vem de Deus é uma resposta suficiente para uma consciência enfraquecida. Por meio dela, o Espírito Santo bafeja paz sobre a totalidade da nossa natureza, e já não temos medo. Com sua justificação, podemos reagir contra todos rugidos e ciladas de Satanás e do homem iníquo. Com tal justificação estaremos prontos para morrer: para ressuscitar e enfrentar o juízo final. Amigo, o Senhor pode lavar os seus pecados. Não atiro no escuro quando digo isso. “Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens”.
Ainda que você esteja à beira do precipício, despencando em crimes, ele pode remover o abismo, e dizer: “Quero, fica limpo!” O Senhor é um grande perdoador. “Creio no perdão dos pecados”. Você crê? Deus poderá pronunciar a sentença agora mesmo: Seus pecados são perdoados, vai em paz; e, se ele o fizer, nenhum poder sobre os céus e terra ou sob a terra jamais o colocará sob suspeita nem sob ira. Não duvide do poder de amor do Todo-Poderoso. Você não poderia perdoar alguém que o tenha ofendido tal como você mesmo ofendeu a Deus; mas você não deve comparar suas medidas com as de Deus. Seus pensamentos e caminhos estão acima dos seus assim como os céus estão acima da terra. “Bem”, você dirá, “seria um enorme milagre, se Deus me perdoasse”. Exatamente! É um supremo milagre aquilo que ele parece estar fazendo em sua vida. Deus faz “faz coisas grandes e inescrutáveis e maravilhas” que sequer podemos imaginar.
Eu mesmo me achava abatido por profundo sentimento de culpa que tornava a minha vida miserável, mas quando ouvi a ordem: “Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra; porque eu sou Deus, e não há outro” – eu olhei, e num instante o Senhor me justificou. Jesus Cristo, feito pecado por mim, era tudo o que eu via, e tal visão trouxe-me o restante. Quando os que foram picados pelas serpentes no deserto olharam para a serpente de bronze, foram imediatamente curados; foi assim também quando olhei para o Salvador crucificado. O Espírito Santo, que me capacitou para crer, deu-me paz por meio da crença. Cri que eu estava perdoado e livre de condenação. Antes, eu estava certo da condenação por causa da declaração da Palavra de Deus e do testemunho da minha consciência, mas quando o Senhor me justificou, deu-me a certeza de salvação por meio dos mesmos testemunhos. A palavra do Senhor na Escritura diz: “Quem nele crê não é julgado” (João 3.
18), e minha consciência dá testemunho de que eu cri e de que a justiça de Deus em Cristo é suficiente para me perdoar. Assim, eu tenho o testemunho do Espírito Santo e da minha consciência, e os dois concordam no mesmo testemunho. Ah! Quanto desejo que o meu leitor receba tal testemunho de Deus e o acolha como o seu próprio! Aventuro-me a dizer que um pecador justificado por Deus está em posição mais segura do que um justo baseado em suas próprias obras, se isso fosse possível. Jamais poderíamos nos certificar de realizar suficientes obras. A consciência estaria sempre sem descanso ante o temor de falha, tendo apenas um falível julgamento em que nos apoiar. Entretanto, quando Deus mesmo justifica e o Espírito testifica de nossa paz com Deus, então sentimos que toda questão está resolvida e assegurada, e entramos no descanso. Nenhuma língua jamais poderá descrever a profundidade da calma que invade a alma de quem recebe a paz de Deus, pois ela excede a todo entendimento.
Justo e Justificador
Temos considerado a justificação do ímpio e visto a grande verdade de que somente Deus pode justificar qualquer pessoa. Agora, damos um passo além e indagamos: Como poderá, um Deus justo, justificar uma pessoa culpada? Encontramos a resposta nas palavras de Paulo, em Romanos 3.21-26. A leitura desses seis versículos assesta o rumo da passagem: Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus Neste ponto, cabe-me compartilhar um pouco de minha experiência pessoal. Quando estava sob a mão do Espírito Santo, sob convicção de pecado, tive um claro e contundente senso da justiça de Deus. Minha falta, seja lá o que signifique para outras pessoas, tornou-se para mim um peso intolerável. Já não era tanto que eu temesse o inferno; antes, eu temia o pecado. Sabia que eu mesmo era tão horrivelmente culpado, que me lembro de sentir que, se Deus ainda não houvesse me punido por minhas transgressões deveria fazê-lo. Sentia que o Juiz de toda a terra deveria condenar pecado tal como o meu. Assentei-me na cadeira do réu e condenei-me à morte, pois confessei que, se eu fosse Deus, não teria feito mais do que mandar tal transgressor para o mais profundo do inferno.
Durante todo esse tempo, eu tinha em mente uma grande preocupação com a honra do nome de Deus e com a integridade moral de seu governo. Sentia que jamais satisfaria a minha consciência, se fosse perdoado injustamente. O pecado que eu havia cometido deveria ser punido. A grande questão era como Deus poderia ser justo e, ainda assim, justificar uma pessoa tão culpada? Perguntei ao meu coração: “Como pode ele ser justo e justificador?” Preocupava-me a questão e horrorizava-me que não houvesse uma resposta. Certamente, eu jamais poderia inventar uma solução que satisfizesse minha consciência. A doutrina da expiação é, para minha mente, uma das provas mais seguras da inspiração divina da Escritura Sagrada. Quem poderia ter pensado sobre um Juiz justo que morresse por um injusto rebelde? Tal não é um ensino da mitologia humana ou sonho de poética imaginação. O método da expiação somente é conhecido entre os homens porque consiste em um fato; a ficção não poderia tê-la concebido.
Deus mesmo a ordenou. Não se trata de algo que pudesse ser imaginado. Desde a minha mocidade, eu tinha ouvido sobre o plano da salvação por meio do sacrifício de Cristo, mas, no interior do meu ser, nada mais sabia sobre isso do que saberia se eu tivesse nascido e sido criado como um selvagem. A luz estava ali, mas eu estava cego. Foi necessário que o próprio Senhor me esclarecesse. Tal veio a mim como uma revelação, tão fresca como se eu jamais tivesse lido na Escritura que Jesus foi designado como propiciação (tornado favorável diante de Deus) pelos pecados, a fim de que eu fosse considerado plenamente justo. Creio que tal doutrina da substituição do Senhor Jesus, feito pecado em nosso lugar, ocorre como revelação a todo recém-nascido de Deus. Vim a entender que a salvação era possível por meio do sacrifício vicário (substituto) de Cristo, e que tal provisão substitutiva teria sido feita na primeira constituição e arranjo de todas as coisas.
Fui levado a ver que aquele que é o Filho de Deus, coigual e coeterno com o Pai, fez-se, desde a eternidade, o suserano (rei superior) do pacto a respeito de um povo escolhido, segundo o qual ele estaria em posição de sofrer por ele e de salvá-lo. Assim como nossa queda não foi, inicialmente, pessoal, pois decaímos de maneira representativa no primeiro Adão, foi possível que fôssemos resgatados por um segundo representante, isto é, por aquele que tomou sobre si o cumprimento do pacto, Cristo, o segundo Adão. Entendi que eu mesmo havia pecado segundo a queda do meu primeiro pai, e me regozijei em que, por ponto de lei, fosse possível a mim ser levantado por um segundo representante. A queda de Adão deixou-me sem uma via de escape; o Outro Adão veio para desfazer a ruína do primeiro (Romanos 5).
Quando eu estava ansioso quanto à possibilidade de um Deus justo me perdoar, entendi e vi pela fé que aquele que é o Filho de Deus tornou- se homem, e sobre sua própria pessoa abençoada tomou o meu pecado e em seu próprio corpo o crucificou no madeiro. Vi que o castigo que me trouxe a paz estava sobre ele e que por suas pisaduras fui sarado. Caro amigo, você já viu alguma coisa como essa? Já entendeu como Deus pode ser plenamente justo, não retendo a penalidade nem abrandando o golpe da espada, e, ainda assim, ser infinitamente misericordioso, justificando o ímpio que a ele torna? O Filho de Deus, supremamente glorioso em sua pessoa sem igual, assumiu a vindicação da lei e sofreu a sentença que me era devida; por isso Deus pôde passar por cima do meu pecado. A lei de Deus foi vindicada pela morte de Cristo, sem a qual todo pecador teria sido enviado para o inferno.
O sofrimento do Filho de Deus por causa do pecado estabeleceu maior glória para o governo de Deus do que o sofrimento de toda uma raça. Jesus tomou sobre si a pena de morte em nosso lugar. Espantosa maravilha! Ei-lo pendurado na cruz! O maior espetáculo jamais visto. Filho de Deus e Filho do Homem, ali dependurado, a suportar dores atrozes, o justo pelo injusto, para conduzir-nos a Deus. Oh! Que visão gloriosa! O Santo, condenado. O abençoado, amaldiçoado. O infinitamente glorioso sofrendo morte vergonhosa! Quanto mais contemplo os sofrimentos de Cristo, mais certo estou de que eles se aplicam a mim. Por que teria ele sofrido, senão para retirar de sobre nós a penalidade do pecado? E, se ele mesmo removeu nossos pecados, esses foram realmente apagados, e aqueles que crêem em Cristo já não precisam temer. Uma vez feita a expiação, Deus pôde perdoar pecados sem abalar os fundamentos do seu trono ou, em menor grau, macular o estatuto do seu reino.
A consciência recebe resposta plena para sua grande questão. A ira de Deus contra a iniquidade, qualquer que seja, excede a mais terrível das concepções. Bem disse Moisés: “Quem conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é devido?” No entanto, quando ouvimos o Senhor da glória clamar: “Por que me desamparaste?”, e vemo- lo render o espírito, sentimos que a justiça de Deus recebe vindicação abundante por meio de tão perfeita obediência e de tão terrível morte oferecida em tão divina Pessoa. Se Deus se rende à sua própria lei, o que mais poderá ser feito? Há mais mérito na expiação em Cristo do que há de demérito no pecado humano. O grande abismo do amoroso sacrifício de Cristo pode tragar as montanhas dos nossos pecados. Por causa da infinita bondade de tal Pessoa representativa, Deus olha com favor para as demais pessoas, por mais indignas que sejam.
Foi o maior de todos os milagres o fato de o Senhor Jesus Cristo tomar o nosso lugar para, em nosso lugar, sofrer a ira de Deus. Ele o fez! “Está consumado.” Deus poupa o pecador porque não poupou seu próprio Filho. Deus pode passar por cima de nossas transgressões, hoje, porque ele mesmo lançou tais transgressões sobre seu Filho unigênito há mais de dois mil anos atrás. Se você crer em Cristo (esse é o ponto), então seus pecados serão removidos pelo Cordeiro de Deus. O que significa crer nele? Não significa simplesmente dizer: “Ele é Deus e Salvador”, mas, sim, confiar nele de maneira total e plena, e tomá-lo para sua salvação, agora e para sempre − seu Senhor, seu Mestre, seu Tudo. Se você houver de tê-lo, ele já é seu. Se você crê nele, eu afirmo que você não irá para o inferno, pois isso invalidaria o sacrifício de Cristo. Não poderá ocorrer que, tendo sido aceito o perfeito sacrifício, a alma pela qual tal sacrifício foi oferecido venha a morrer.
Se a alma crente puder ser condenada, então por que o sacrifício? Todo crente pode afirmar que o sacrifício de Cristo foi efetivamente oferecido em seu nome, pois, pela fé, lançou mão dele e dele se apropriou para que nele descansasse, seguro de que não perece mais. O Senhor não receberia tal oferta em nosso favor para, depois, condenar- nos à morte. O Senhor não leria nossa carta de perdão escrita com o sangue do seu Filho para nos abandonar depois. Tal seria impossível. Oh! Que lhe seja concedida a graça plena de olhar para Jesus e recomeçar no princípio, no próprio Jesus, o qual é Fonte de misericórdia para o culpado. Ele é o Deus que justifica o ímpio. É Deus que o justifica. Nada mais pode ser feito além do que ele fez através do sacrifício expiatório do seu divino Filho. Fez isso com tal justiça que ninguém poderá jamais questioná-lo − tão completamente que naquele dia tremendo, quando os céus e a terra hão de passar, ninguém poderá negar a validade de sua justificação.
Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu. (Romanos 8.33-34)
Agora, pobre alma, você vem a essa salvação, assim como está? Nela há segurança para o ímpio! Aceite a justa libertação. “Nada tenho para oferecer”, você dirá. Ninguém lhe pede nada a não ser você mesmo. Pessoas que fogem para salvar suas vidas deixam atrás, até mesmo, as próprias roupas. Venha já, assim como está. Deixe-me dizer algo a meu respeito, a fim de encorajá-lo. Minha única esperança de ir aos céus repousa na plena expiação realizada na cruz do Calvário em favor do ímpio. Sobre isso me firmo. Não tenho sombra de esperança em nenhum outro lugar. E você se encontra na mesma condição, pois nenhum de nós tem valor próprio em que possa confiar. Juntemos as mãos e coloquemo-nos aos pés da cruz, e confiemos nossas almas, de uma vez por todas, àquele que verteu seu sangue por nossa culpa. Seremos salvos pelo mesmo e único Salvador.
Se você perecer, pereço também. O que mais posso fazer para provar minha confiança no evangelho que lhe tenho proclamado?
Sobre o livramento do pecado
Neste ponto, quero dizer uma palavra ou duas para aqueles que entendem o método da justificação pela fé em Cristo Jesus, mas que se preocupam com a possibilidade de não conseguirem deixar de pecar. Não poderemos jamais ser felizes, descansados ou espiritualmente sadios até que sejamos santificados. Temos de nos livrar do pecado. Mas como ocorre tal livramento? Esta é uma questão de vida ou morte para muitos. A velha natureza é muito forte, e muitos tentam refreá-la e domá-la, sem sucesso, esforçando-se para agir da melhor maneira, e, às vezes, agindo pior do que antes. O coração humano é tão duro, a vontade é tão obstinada, as paixões são tão enfurecidas, os pensamento são tão voláteis, a imaginação é tão solta e os desejos são tão desgovernados que a pessoa sente que tem uma cova de bestas feras dentro da alma, as quais a devorarão tão logo consigam dominá-la. Podemos dizer, sobre nossa natureza decaída, aquilo que o Senhor disse a Jó quanto ao leviatã:
Brincarás com ele, como se fora um passarinho? Ou tê-lo-ás preso à correia para as tuas meninas (Jó 41.5)?
Tentar controlar com as próprias forças os turbulentos poderes que habitam a natureza decaída, será como desejar conter o vento com as mãos. Tal será um feito maior do que os fabulosos feito de Hércules. Só Deus poderá realizá-lo.
“Eu posso crer que Jesus perdoaria meus pecados”, diz alguém, “mas meu problema é que, então, eu peco de novo, e sinto todas aquelas horríveis tendências para o mal, agindo dentro de mim. Tão certo quanto uma pedra, lançada ao ar, retorna à terra, assim também eu, ainda que lançado aos céus por uma honesta pregação, logo volto à insensibilidade do meu estado. Sou tão facilmente fascinado pelos olhos de serpente do pecado e preso de sua maldição, que não posso escapar à minha própria estultícia.” Meu caro amigo, a salvação seria um estado de coisas tristemente incompleto se não lidasse com essa parte de nosso estado decaído. Queremos tanto ser perdoados quanto queremos ser santificados. Justificação sem santificação não seria salvação. Seria o mesmo que chamar os leprosos de limpos e deixá-los morrer dessa doença. Seria o mesmo que perdoar a rebelião e deixar que o rebelde continue sendo inimigo do rei. Seria o mesmo que remover as consequências e ignorar a causa, o que deixaria uma tarefa infinda e desesperada em nossas mãos.
Poderia, até mesmo, conter o fluxo por um tempo, mas deixaria aberta a fonte do abismo, a qual, cedo ou tarde, rebentaria com poder dobrado. Lembre-se de que o Senhor Jesus veio para remover o pecado de três maneiras: ele remove a penalidade do pecado, o poder do pecado, e finalmente, a presença do pecado. Uma vez que você tenha chegado à segunda parte – o poder do pecado será quebrado, e você já estará a caminho da terceira parte, a remoção da presença do pecado. “Sabeis também que ele se manifestou para tirar os pecados” (1João 3.5). O anjo disse a respeito de nosso Senhor: “Lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mateus 1.21). Nosso Senhor Jesus veio para destruir as obras do diabo. Aquilo que foi dito no nascimento de Jesus também foi declarado em sua morte. Quando o soldado feriu o seu lado e fez sair água e sangue, houve ali uma confirmação da dupla cura por meio da qual somos libertados da culpa e do engano do pecado.
Se, entretanto, você ainda está preocupado com o poder do pecado e com as tendências da sua natureza, como deveria estar, eis uma promessa na qual você deve depositar sua fé, pois ela se firma no pacto da graça. O Deus que não pode mentir, disse, em Ezequiel 36.26: Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Você vê? É tudo “eu darei”, “eu farei”, “eu removerei” – tudo dito pelo Deus que não pode mentir. Tal é o estilo do Rei dos Reis, o qual é poderoso para realizar toda a sua vontade. Nenhuma palavra sua jamais falhará no cumprimento de seu propósito. O Senhor sabe que você não pode mudar seu próprio coração nem purificar sua própria natureza. Sabe também que ele pode realizar ambos os feitos. Ele pode mudar a pele do etíope e as manchas do leopardo. Ouça isto, e maravilhe-se: ele pode criá-lo segunda vez. Ele pode fazê-lo nascer de novo! Esse é um milagre da graça, e o Espírito de Deus o realiza.
Seria maravilhoso, se alguém pudesse se colocar frente às quedas do Niágara e, com uma palavra, fazer retornar o curso do rio, saltando o enorme precipício sobre o qual tomba agora com força estupenda. Nada, senão o poder de Deus, pode fazer tal maravilha. No entanto, caro amigo, esse seria um pálido paralelo daquilo que ele pode fazer para reverter o curso de sua natureza. Todas as coisas são possíveis para Deus. Ele pode reverter a direção dos seus desejos e a corrente de sua vida, e, ao invés de seguir o curso descendente para longe de Deus, ele pode fazer a totalidade do seu ser tomar um rumo ascendente, na direção dele. Tal é, de fato, o que o Senhor prometeu fazer por nós quando fez seu pacto; e nós sabemos através da Escritura, que todos os crentes permanecem no seu pacto. Permita-me repetir, desta vez, em Ezequiel 11.19: “Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne”. Que maravilhosa promessa!
Há um sim e um amém em Cristo Jesus quanto à glória de Deus em nós. Lancemos mão de tal promessa. Aceitemo-la como verdadeira e apropriemo-nos dela. Então, ela se cumprirá em nós e, por tempo sem fim, cantaremos tal maravilhosa transformação que a soberana graça trouxe à nossa vida.
É digno de consideração que, quando o Senhor remove o coração de pedra, sua remoção é efetiva; e, uma vez isto feito, nenhum poder conhecido poderá tirar o novo coração que ele dá, o novo espírito que ele nos concede. “Os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Romanos 11.29), isto é, não há arrependimento da parte de Deus. Ele não retira aquilo que deu. Deixe que ele o renove agora, pois certamente ele o renovará. As reabilitações e purificações que o homem faz terminam um dia, e ele volta às obras antigas, como o cão que volta ao vômito. Mas, quando Deus coloca em nós um novo coração, tal coração é para sempre, e jamais voltará a ser um coração de pedra. Aquele que o fez de carne o manterá um novo coração. Assim, regozijemos e alegremo-nos para sempre naquilo que Deus cria no reino de sua graça. Para dizer isso de maneira mais simples – você já ouviu a ilustração de Rowland Hill sobre o gato e a porca? Dou a minha versão para ilustrar a expressão do Senhor Jesus:
“Importa-vos nascer de novo”. Imagine um gato. Que criatura mais limpa! Quão hábil em limpar-se com a língua e as patas! É uma imagem impressionante. Você já viu uma porca fazer o mesmo? Não, jamais! É contrário à sua natureza. Ela prefere espojar na lama. Seria um enorme progresso sanitário, se pudéssemos fazer uma porca aprender tal costume. Ensine-a a se lavar e limpar como um gato. Será inútil. Você poderá, até mesmo, usar a força para lavar essa porca, mas ela acabará voltando à lama. A única maneira de fazer uma porca limpar-se como um gato será por meio de transformá-la em gato; então ela se lavará e se limpará; mas, até então, não! Suponha, assim, que tal transformação ocorra. Aquilo que foi difícil e, até mesmo, impossível, será fácil e natural. O suíno poderá ser bem-vindo à sua sala e ao seu tapete preferido. Dessa maneira ocorre com a pessoa ímpia. Você não poderá forçá-la a se transformar em uma pessoa honrada, por mais que o deseje e tente.
Talvez possa ensiná-la, dar-lhe um bom exemplo, mas ela não poderá aprender a arte da santidade, pois não terá mente para tal. Sua natureza a inclina em outra direção. Quando o Senhor faz dela uma nova criatura, então a coisa toda adquire aspecto diferente. Tão grande é a mudança que já ouvi alguém dizer: “Ou o mundo inteiro mudou, ou mudei eu”. A nova natureza segue o que é santo tão naturalmente como a velha natureza seguia o pecado. Que benção é receber tal natureza! Somente o Espírito Santo a pode conceder. Você já pensou na maravilha que é o Senhor conceder um novo coração e um espírito reto a uma pessoa? Você já deve ter lido ou ouvido sobre pequenos animais que, perdendo parte do corpo, sofrem um processo de regeneração, tal como, por exemplo, a lagosta. Isto também é uma coisa notável. Já deve estar familiriarizado também com transplantes cardíacos. São igualmente notáveis. Mas é ainda mais impressionante o fato de que uma pessoa possa receber um coração totalmente novo!
Este é, de fato, um milagre além dos poderes da natureza. Quanto a uma árvore, se você poda seus galhos, outros ramos crescem no lugar. Entretanto, seria possível transformar uma árvore? Transformar uma porca em um gato? Você poderia fazer um espinheiro dar figos? Você talvez possa fazer um enxerto em uma árvore que venha a produzir melhores frutos (o que seria uma boa analogia da natureza para a obra da graça). Mas mudar radicalmente a essência da árvore seria realmente um milagre. Tal é o prodígio e o mistério do poder de Deus operado em todos os que crêem em Jesus Cristo. Se você se entregar à essa obra divina, o Senhor alterará a essência de sua natureza. Ele subjugará a sua velha natureza e soprará nova vida em seu interior. Coloque sua confiança no Senhor Jesus Cristo, e ele removerá seu coração de pedra e lhe dará um coração de carne. Onde houve insensibilidade, haverá sensibilidade; onde tudo foi vicioso, tudo será virtuoso; onde todas as coisas tendiam à decadência, serão alçadas com força impetuosa. O leão da ira dará lugar ao cordeiro da mansidão; o corvo da impureza voará para longe ante a chegada da pomba da pureza; a vil serpente do engano será calcada aos pés da verdade. Tenho visto com meus próprios olhos tais transformações espirituais e morais de caráter. Jamais me desespero. Eu poderia, se fosse adequado, mencionar mulheres que antes foram impudicas e que hoje são puras; homens que foram blasfemos e que hoje têm prazer na devoção. Ladrões são feitos homens honestos, bêbados são feitos sóbrios, mentirosos são feitos confiáveis e escarnecedores são feitos zelosos. Sempre que a graça de Deus se manifesta à pessoa, ela é levada a negar a impiedade e as paixões mundanas, para viver de maneira sábia, correta e santa neste presente mundo perverso – e, caro amigo, Deus fará o mesmo por você. “Não consigo mudar”, alguém dirá. Quem disse que poderia?
A Escritura que tenho citado não fala sobre o que o homem terá de fazer, mas do que Deus faz. A promessa vem de Deus, aquele que cumpre todas as suas promessas. Confie em que ele cumprirá sua Palavra em relação a você, e será feito. “Mas como isso poderá ser feito?” Qual é o seu negócio? Será que o Senhor terá de lhe explicar seus métodos para que você creia nele? O Senhor está operando um grande mistério. O Espírito Santo o realiza. Será responsabilidade de Deus cumprir sua promessa. Certamente ele levará a cabo essa mudança maravilhosa na vida de todos os que recebem a Jesus, pois lhes tem dado o poder de serem feitos filhos de Deus. Ah! Quando desejo que você creia em Deus e em sua promessa! Que você honre o gracioso Senhor, crendo que ele fará este milagre em sua vida! Que você creia que Deus não pode mentir! Que você confie que ele lhe dará um novo coração e um espírito reto, pois ele quer e tem poder para fazê-lo. Que o Senhor lhe conceda fé na sua promessa.
Fé no seu Filho, fé no Espírito Santo, fé nele mesmo. Que você o possa louvar e honrar e glorificar agora mesmo e para todo o sempre. Amém.
Pela graça mediante a fé
Pela graça sois salvos, mediante a fé (Efésios 2.8)
Considere com carinho este meu pedido para observar a fonte de nossa salvação que é a graça de Deus. “Pela graça sois salvos”. Por que Deus é gracioso, a pessoa pecadora pode ser perdoada, convertida, purificada e salva. Não por causa de nada que elas tenham ou possam ter em si ou de si mesmas é que podem ser salvas, mas por causa o ilimitado amor, bondade, piedade, compaixão, misericórdia e graça de Deus. Pare então, por um momento, junto a esta fonte. Contemple o rio de água da vida que flui do trono de Deus e do Cordeiro. Que imensa é a graça de Deus! Quem poderá medir sua extensão? Quem poderá imaginar sua profundidade? Como os demais atributos divinos, ela é infinita. Deus é cheio de amor, pois “Deus é amor” (1João 4.8).
Bondade e amor fazem parte da real essência do Deus triuno. Ele é todo bondade. Exatamente porque Deus é misericordioso é que não somos todos destruídos.
Por que sua compaixão não falha é que os pecadores são trazidos a ele para que sejam perdoados. Lembre-se disso, ou você poderá cair em erro, fixando tanto a sua mente na fé, que é o meio da salvação, e esquecendo-se da graça, fonte da própria fé. A fé é obra da graça de Deus em nós. Ninguém poderá dizer que Jesus é o Cristo senão por obra do Espírito Santo. “Ninguém poderá vir a mim,” disse Jesus, “se, pelo Pai, não lhe for concedido” (João 6.65). De maneira que a fé, que é o ato de ir a Cristo, é concessão divina, da graça. A graça é a primeira e última causa movedora da salvação; e a fé, por mais essencial que seja, é apenas parte importante do mecanismo utilizado pela graça. Somos salvos “mediante a fé”, mas “pela graça”. Soam essas palavras como que proferidas pela voz do arcanjo: “Pela graça sois salvos”. Que boas novas para quem não a merece! A fé ocupa a função de canal ou condutor. A graça é a fonte das águas; a fé é o aqueduto pelo qual flui a misericórdia de Deus para saciar a sede dos filhos dos homens. É uma infelicidade a ruína do aqueduto. É uma visão triste a dos aquedutos ao redor de Roma, cuja estrutura corrompida os impede de trazer água para a cidade. Um aqueduto tem de ser mantido íntegro a fim de conduzir água. Igualmente, a fé tem de ser verdadeira e sadia, vinda de Deus e a ele dirigida, a fim de ser um canal útil da misericórdia de Deus para as nossas almas. Ainda assim, quero lembrar que a fé é apenas um canal ou aqueduto, e não a própria fonte. Não deveríamos considerá-la além da fonte de todas as bênçãos, a graça de Deus. Jamais figure Cristo a partir de sua fé nem pense nela como fonte independente para sua salvação. Nossa vida é achada quando olhamos para Jesus, não quando olhamos para a nossa fé. Certamente, todas as coisas se tornam possíveis a nós por meio da fé, entretanto, o poder não está na fé, mas sim em Deus, sobre quem a fé repousa.
A graça é uma máquina poderosa, e a fé é o eixo transmissor que transfere a força da graça para a alma. A justiça que provém da fé não é a excelência moral de tal fé, mas a justiça de Cristo a nós atribuída pela graça, apreendida e apropriada mediante a fé. A paz da alma não se deriva da contemplação de nossa fé, mas vem a nós da parte daquele que é a nossa paz, aquele cuja orlas das vestes a fé toca e recebe virtude para a alma. Veja, portanto, caro amigo, que a fraqueza de sua fé não o destrua. São trêmulas mãos a receber precioso dom. A salvação do Senhor pode chegar até nós ainda que só tenhamos fé do tamanho de um grão de mostarda. Todo o poder repousa na graça de Deus e não na nossa fé. Grandes mensagens podem ser enviadas através de fios bem finos. Assim também, o testemunho pacífico do Santo Espírito pode alcançar o coração humano através do fio de linha da fé – até mesmo a fé que parece incapaz de suportar o próprio peso.
Considere mais para Quem você olha do que para o próprio olhar com que você olha. Você tem de olhar além de si mesmo e ver somente a Jesus e a graça de Deus nele revelada.
Fé – o que é isso?
Que fé é essa da qual é dito: “Pela graça sois salvos, mediante a fé”? Certamente há muitas descrições de fé, mas quase todas as definições que tenho encontrado, levam-me a entender menos do que entendia antes. É possível que, ao tentar explicar muito alguma coisa, ela se torne ainda mais confusa. Podemos explicá-la tanto até que ninguém mais a entenda. Espero não ser culpado dessa falta. A fé é a mais simples de todas as coisas e, talvez, por causa de tal simplicidade, ela seja de mais difícil explicação. O que é fé? Resumidamente, a fé é feita de três coisas: conhecimento, crença e confiança. Conhecimento vem primeiro. “como crerão naquele de quem nada ouviram?”. É preciso que eu seja informado de um fato antes que possa crer nele. “Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome” (Salmos 9.10). É preciso que haja um conhecimento substancial para que haja fé; daí a importância de adquirir conhecimento.
Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá. (Isaías 55.3)
Tais são as palavras dos antigos profetas, e as palavras do evangelho, ainda hoje. Busque as Escrituras e aprenda o que o Espírito Santo ensina sobre Cristo e sua salvação.
Busque o conhecimento de Deus, “porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11.6). Que o Espírito Santo lhe dê espírito de conhecimento e de temor do Senhor! Conheça o evangelho, saiba quais são as boas novas, o que ela diz sobre o perdão gratuito, sobre a mudança de coração, sobre a adoção na família de Deus e sobre outras bênçãos incontáveis. Conheça, especialmente, a Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Salvador dos homens; conheça-o unido a nós em natureza humana e, ainda assim, um com Deus, habilitado a agir como Mediador entre Deus e os homens, a dar a mão a ambos e propiciar a paz entre os pecadores e o Juiz de toda a terra. Aplique-se a conhecer mais e mais de Cristo. Aplique-se, especialmente, a conhecer a doutrina do sacrifício de Cristo, pois este é o ponto sobre o qual a fé salvadora se fixa: “a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões” (2Coríntios 5.19).
Saiba que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro)” (Gálatas 3.13). Beba da doutrina da obra substitutiva de Cristo, pois nela há o mais doce conforto para a culpa dos filhos dos homens, uma vez que “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Coríntios 5.21). A fé começa com o conhecimento. A mente, a seguir, crê que tais coisas sejam verdadeiras. A alma crê que Deus é, e que ouve o clamor do coração sincero. Crê que o evangelho procede de Deus e que a justificação pela fé é sua grande verdade revelada pelo Espírito, de maneira mais clara nestes últimos dias do que fora antes revelada aos pais pelos profetas. O coração crê que Jesus é verdadeiramente nosso Deus e Salvador, o Redentor do homem, o Profeta, Sacerdote e Rei do seu povo. Tudo isso é aceito como indubitável e pura verdade.
Oro a Deus, pedindo que você chegue a tal conclusão. Creia firmemente que “o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1João 1.7); que seu sacrifício é plenamente aceito em favor do homem para que todo aquele que nele crê e não seja condenado. Creia nestas verdades da mesma maneira como você crê em outras declarações, pois a diferença entre a fé comum e a fé salvadora reside apenas no objeto sobre o qual ela é exercitada. Creia, da mesma maneira como você crê em seu próprio pai ou amigo. “Se admitimos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior” (1João 5.9). Até aqui, você terá feito um grande avanço na compreensão da fé; apenas um ingrediente mais é necessário para completá-la, o qual é a confiança. Trata-se de entregar- se totalmente à misericórdia de Deus. Deixe que sua fé habite na esperança do gracioso evangelho de Jesus. Confie sua alma ao Salvador morto e ressurreto. Purifique seus pecados em seu sangue expiatório. Aceite sua perfeita justiça.
A confiança é a corrente sanguínea da fé; sem ela, não haverá fé salvadora. Os puritanos estavam acostumados a explicar a fé, utilizando o termo recumbência (do verbo recumbir). A palavra significa recostar, inclinar; repousar em Jesus Cristo. Haveria melhor ilustração do que dizer: Lance todo o seu peso sobre a Rocha eterna? Entregue-se a Jesus; descanse nele; confie nele. Isto feito, isto é, conhecido, crido e confiado no Senhor, você terá exercido a fé salvadora. A fé não é cega, pois conheça com o conhecimento. Não é especulativa, pois é a certeza de fatos. E não é algo romântico e ingênuo, pois confia firmemente na verdade revelada. Tais descrições compõem uma forma de ver a fé. Permita-me tentar de novo: A fé é a crença de que Cristo é quem ele disse ser e de que fará o que disse que faria – e assim, esperar isso dele.
As Escrituras falam de Jesus como sendo Deus encarnado, como o ser perfeito em seu caráter, como tendo oferecido a si mesmo como propiciação (tornar favorável) por causa do nosso pecado; como tendo carregado sobre seu próprio corpo, na cruz, os nossos pecados. A Escritura fala de Jesus Cristo como aquele que pôs fim à transgressão, ao pecado, e trouxe à luz a justiça eterna. Os relatos sagrados dizem ainda que ele morreu e ressuscitou dentre os mortos para fazer eterna intercessão por nós, que reassumiu sua glória e tomou posse dos céus em nome do seu povo, e que voltará outra vez para julgar ao mundo com justiça e ao seu povo com equidade. Havemos de crer firmemente que tais coisas são mesmo assim, pois tal foi o testemunho de Deus, o Pai, quando disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi” (Mateus 17.5). Deus, o Espírito Santo, também testifica a respeito de Cristo tanto na Palavra inspirada quanto por sua obra no coração da pessoa.
Havemos de crer que tais testemunhos sejam verdadeiros. A fé também crê que Cristo cumprirá aquilo que prometeu; que, uma vez que prometeu não rejeitar ninguém que a ele se achegue, certamente ele não nos rejeitará quando formos a ele. A fé crê que, uma vez que Jesus disse:
“aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (João 4.14), tal é real e verdadeiro. E, se tomarmos desta Água viva, Cristo habitará em nós, e será em nós como correntes de vida santa. Tudo o que o Senhor prometeu, ele o fará. Devemos crer nisso em relação a perdão, justificação, preservação e glória eterna; em relação a tudo que vem das suas mãos segundo as promessas que ele mesmo fez aos que nele crêem. Vem aí, então, o passo seguinte e necessário. Jesus é quem ele disse ser e fará o que disse que faria; assim, temos, cada um de nós, de confiar nele, dizendo: Ele será para mim quem ele diz ser, e fará comigo aquilo que ele prometeu fazer; entrego-me às mãos daquele que foi designado para me salvar, para que me salve. Descanso na promessa que ele fará ainda mais do que ele mesmo disse. Esta é a fé salvadora, e, aquele que a possui, possui a vida eterna.
Quaisquer que sejam os perigos e dificuldades, quaisquer trevas ou depressões, quaisquer enfermidades ou pecados, aquele que crê em Cristo não é condenado e jamais cairá em condenação. Que esta explanação seja útil! Confio que ela possa ser usada pelo Espírito de Deus para dirigir o meu leitor à uma paz imediata. “Não temas, crê somente.” Confie e descanse. Contudo, meu temor é que você, caro leitor, repouse contente com o entendimento daquilo que já está feito, mas jamais o faça você mesmo. Melhor é a fé pobre, mas real e operante, do que o mais rico ideal deixado no vazio da especulação. O ponto chave é crer no Senhor Jesus, agora mesmo. Uma pessoa faminta come, até mesmo, sem saber a detalhada composição do alimento, a anatomia do aparelho digestivo ou o processo da digestão. Ela vive porque come. Alguém mais esclarecido poderá saber mais sobre a ciência da nutrição, mas, se não comer, morrerá com todo o conhecimento.
Há muitos, neste momento, no inferno, que entenderam a doutrina da fé, mas que não creram. Por outro lado, ninguém que tenha confiado no Senhor Jesus jamais foi rejeitado – ainda que não tenha sido tão inteligente a ponto de definir a própria fé. Oh, caro amigo, receba o Senhor em sua alma, e viva para sempre!
Como poderá a fé ser ilustrada?
Para tornar a questão da fé ainda mais clara, quero lhe dar mais algumas ilustrações. Ainda que somente o Espírito Santo possa fazê-lo ver, é meu dever e alegria testemunhar- lhe a respeito da luz da melhor maneira possível, e orar para que o divino Senhor abra os olhos cegos. Que meu leitor ore também nesse sentido! A fé que salva tem analogia com a estrutura humana. “São os teus olhos a lâmpada do teu corpo” (Lucas 11.34). Através dos olhos trazemos à mente o que está distante; num piscar de olhos. trazemos à mente o sol e as estrelas mais longínquas. Assim, por meio da confiança, apreendemos a dádiva graciosa e trazemos o Senhor para perto de nós; ainda que esteja tão distante quanto os céus, Jesus Cristo entra em nosso coração. Basta olhar para Jesus. A fé é como a mão que segura o que deseja.
Quando nossas mãos seguram alguma coisa, fazem precisamente aquilo que faz a fé quando se apropria de Cristo e de todas as bênçãos de sua redenção. A fé se prende à Cristo, e diz: “Jesus é meu”. A fé se apega ao sangue perdoador de Cristo, e clama: “Eu aceito o seu perdão”. A fé toma posse do legado do Cristo morto, pois a própria fé é herança de Cristo. Ele entregou a si mesmo para que o recebêssemos pela fé. Tome em suas mãos aquilo que a graça providenciou para você. Não será usurpação, atender ao convite: “O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Apocalipse 22.17). Aquele que pode ter um tesouro simplesmente por aceitá-lo, será estulto se permanecer sendo pobre. A fé é a boca que se alimenta de Cristo. Antes que o alimento possa nos nutrir, terá de ser recebido. A fé é tão simples como comer e beber.
Voluntariamente recebemos comida e a digerimos, absorvendo matéria e energia para nossa estrutura física. Paulo diz, em sua Epístola aos Romanos, no capítulo dez: “A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração”. Assim, tudo que você tem de fazer, para levá-la ao coração, é engolir. Oh! Quem terá tal apetite? Pois aquele que tem fome e vê comida não precisa de que lhe ensinem a comer. “Dê-me”, alguém disse, “um garfo, uma faca e uma chance”. Tal pessoa estava preparada para fazer o restante. Na verdade, um coração faminto e sedento de Jesus terá apenas de saber que ele é oferecido de graça para, então, recebê-lo. Esteja certo de que esse é o caminho designado por Deus, pois, “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome” (João 1.12). Ele jamais rejeita alguém; antes, autoriza a todos a que sejam feitos filhos para sempre. Os anseios da vida também ilustram a fé de muitas maneiras.
O lavrador ara a terra e planta boa semente, esperando que ela germine e se multiplique. Ele tem fé no arranjo do pacto divino, de que “Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite” (Gênesis 8.22), e é recompensado por sua fé. O mercador deposita o seu dinheiro aos cuidados do banqueiro e confia na estabilidade e honestidade do banco. Ele confia seu capital a outras mãos, e sente-se mais confortável do que se tivesse ouro sólido guardado no seu cofre. O marinheiro confia a si mesmo ao mar. Quando navega, ele descansa no balanço das ondas. Não poderia navegar se não confiasse que um corpo imerso em água tende a flutuar. O ourives coloca o metal precioso no fogo que parece pronto a consumi-lo, confiante de que receberá de volta o ouro purificado. Você não poderá olhar à sua volta sem ver a fé, operando na relações pessoais ou entre a pessoa e a natureza.
Assim, tal como confiamos no dia a dia, devemos também confiar em Deus da maneira como ele se revelou em Cristo. A fé existe nas pessoas em diferentes graus, segundo a soma de seu conhecimento ou crescimento em graça. Algumas vezes, a fé será pouco mais que um simples apego a Cristo; um sentimento e uma disposição à dependência. Quando à beira-mar, você pode ver pequenas conchas aderidas às rochas. Você caminha sobre as rochas e bate num molusco com um caniço, e ele se solta. Tente o mesmo como outro molusco, e veja o que acontece. Você o advertiu quanto soltou seu vizinho Agora, ele se agarra à rocha com força dobrada. Você jamais conseguirá tirá-lo da mesma maneira como fez com o primeiro. Bata com força, outra vez, e apenas conseguirá quebrar a rocha. Nosso pequeno molusco não sabe muito, mas se agarra à rocha. Isso é tudo o que ele sabe: agarrar-se à rocha; e ele usa tal conhecimento para sua própria segurança e salvação.
Ele não tem conhecimento da formação geológica da rocha, mas se agarra a ela. A vida de tal molusco está em agarrar-se à rocha assim como a do crente está em agarrar-se a Jesus. Milhares de pessoas não tem mais fé do que isso. Sabem que têm de se apegar a Jesus de todo o coração e alma, e isto basta para dar-lhes paz e segurança eternas. Jesus Cristo é, para elas, a Rocha irremovível e imutável; a ela se agarram como à vida, e são salvas mediante a fé. Leitor, por que não agarrar-se a Cristo? Faça-o de uma vez. A fé é notada, também, quando alguém confia em outra pessoa em virtude do conhecimento que tem da superioridade dela. Esse é um grau mais elevado da fé. É a fé que conhece a razão da dependência, e age com base em tal razão. Não creio que o molusco conheça alguma coisa sobre a rocha. Mas quanto ao crente, à medida que ele cresce na graça, sua fé se torna mais e mais inteligente.
Uma pessoa cega se confia a um guia porque sabe que seu amigo pode ver e, despreocupado, segue o condutor. Se alguém nasceu cego, não poderá saber o que seja a visão, mas saberá que existe algo como a visão, e que seu amigo a possui. Assim, livremente coloca a mão no ombro daquele que vê, e segue sua liderança. Certamente nós “andamos pela fé, não pelo que vemos” (2Coríntios 5.7). “Bendito aquele que não viu e creu.” Tal é o melhor que uma imagem da fé pode ser. Sabemos que Jesus tem o mérito, o poder e as bênçãos que nós mesmos não temos. Assim, confiamos nele como o cego confia no seu guia. Ele jamais trairá nossa confiança. Antes, ele “se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”. Todo garoto que vai à escola tem de exercer fé enquanto aprende. O professor ensina-lhe geografia e o instrui quanto à forma da terra ou sobre a existência de grandes cidades ou países.
O menino não sabe se tais coisas são verdadeiras, exceto que acredita no professor e nos livros colocados em suas mãos. Tal é o que devemos fazer em relação a Cristo para sermos salvos. Você sabe, simplesmente porque ele diz; crê simplesmente porque ele assegura, e confia porque ele lhe promete a salvação. Quase tudo que eu e você sabemos vem à nós pela fé. Uma descoberta científica é feita, e nós agimos como se fosse coisa certa. Qual é a base para essa crença? Certamente na base da autoridade de certas pessoas eruditas e de reconhecida reputação. Jamais vimos ou repetimos seus experimentos, mas cremos no seu testemunho. Você deveria fazer o mesmo com respeito a Jesus: porque ele lhe ensina certas verdades, você deveria ser seu discípulo e crer em suas palavras; porque ele realizou certos atos, você deveria ser seu constituinte, e confiar sua defesa a ele. Cristo lhe é infinitamente superior e se apresenta à sua confiança como aquele que é Senhor e Mestre.
Se você o receber, e às suas palavras, será salvo. Ainda outra forma de elevado grau de fé é aquela que flui do amor. Por que uma criança confiaria no pai? Obviamente, porque o ama. Bem-aventurados aqueles que têm doce fé depositada em Jesus, entranhada com profunda afeição, pois essa é a confiança descansada. Tais amantes de Jesus estão encantados com o seu caráter, contentes com a sua obra, e levados pela bondade que ele manifesta. Não podem deixar de confiar nele porque o admiram, reverenciam e amam. A via do amor confiante em relação ao Senhor também pode ser ilustrada. Uma senhora é esposa do mais eminente médico em voga. Acometida de perigoso mal e subjugada pelo poder da doença, ela, não obstante, permanece calma e confiante, pois seu marido fez estudos especiais sobre a sua enfermidade e já tem curado milhares de pessoas igualmente afligidas.
Tal senhora não se deixa abalar porque sabe que estará perfeitamente segura nas mãos de alguém tão querido, em quem amor e habilidade se misturam em elevado grau. Sua fé é razoável e natural. Sob todos os pontos de vista, seu marido merece sua confiança. Esse é o tipo de fé que os mais felizes dos crentes depositam em Jesus. Não há médico como ele; ninguém poderá salvar como ele salva. Nós o amamos porque ele nos ama – por isso nos colocamos em suas mãos, aceitamos suas prescrições e fazemos tudo aquilo que ele manda. Sentimos que nada poderá dar errado enquanto ele dirigir nossas vidas, pois ele nos ama e jamais nos deixará perecer ou sofrer aflição desnecessária. A fé é a raiz da obediência, o que pode ser visto em todos os segmentos da vida. Quando confia em um piloto para levar o barco na entrada para o porto, o capitão segue as suas instruções. Quando confia em um guia para conduzi-lo através de uma passagem difícil, o viajante segue suas orientações.
Quando confia em um médico, o paciente segue cuidadosamente suas prescrições e conselhos. A fé que se recusa a obedecer aos mandamentos do Salvador é meramente pretensa e jamais salvará a alma. Nós confiamos em Jesus para nos salvar. Ele nos dá direção no caminho da salvação e nós o seguimos para sermos salvos. Jamais nos esqueçamos disto: confie em Cristo e prove sua confiança, fazendo tudo o que ele ordenar. Um outra notável forma de fé surge do conhecimento adquirido. Procede do crescimento na graça. É a fé que crê em Cristo porque o conhece, e confia nele porque experimenta sua fidelidade infalível. Certo cristão maduro adquiriu o hábito de escrever as letras T e P na margem de sua Bíblia sempre que testasse e provasse uma promessa. Quão fácil é testar e provar que o Senhor é bom! Talvez você não possa fazer isso, ainda, mas o fará tão logo comece a crescer na fé. Tudo tem um começo; você verá a sua fé crescer, no devido tempo.
Tal fé madura não requer sinais ou provas, mas crê com ousadia. Observe a fé do contramestre do navio: ele solta os cabos, navega para longe da terra firme, passa dias, semanas ou meses sem ver outra vela ou praia; prossegue dia e noite, sem medo; até que uma manhã ele se encontra no ponto desejado. Como terá ele achado seu caminho no mar imenso e sem rumos demarcados? É algo maravilhoso isto – viajar sem referência visual! Ele confiou nos instrumentos, obedeceu os traçados e as normas, sem referencial terrestre. Espiritualmente, abençoada coisa é deixar completamente os portos da visão e da intuição e dizer “adeus” aos sentimentos interiores, providências humanas, sinais e marcos e coisas semelhantes. É glorioso estar no oceano do amor divino, crendo em Deus e rumando para os céus guiado pelo Espírito Santo segundo a Palavra de Deus. Bem-aventurados os que não viram e creram; a eles se assegura uma feliz jornada até a entrada no porto final.
Não quer, o caro leitor, colocar sua confiança no Deus de Jesus Cristo? Nele me apoio em grata confiança. Venha comigo e creia em nosso Pai e Salvador. Venha sem demora!
Por que somos salvos mediante a fé?
Por que foi a fé selecionada como canal da salvação? Tal questão tem realmente seu valor. “Pela graça somos salvos, mediante a fé” é, certamente, uma doutrina da Escritura e uma ordenança de Deus, mas por quê? Por que a fé foi selecionada, em vez de o amor ou a esperança, ou a paciência? Devemos ser modestos ao responder tal questão, pois os caminhos de Deus não são sempre para ser entendidos nem mesmo presunçosamente questionados. Assim, humildemente respondemos que, até onde podemos dizer, a fé foi selecionada como canal da graça porque há uma adaptação natural a ser usada como receptora. Suponha que eu preste ajuda a um homem pobre: coloco a dádiva em suas mãos – por quê? Bem, seria inadequado colocá-la em seus ouvidos, ou jogá-la a seus pés; a mão parece mais apropriada para recebê-la. Assim, em nossa estrutura mental, a fé é criada com o propósito de ser uma receptora:
é a mão da alma, adequada para receber a graça. Deixe-me dizer isso mais claramente. A fé que recebe a Cristo é simplesmente um ato tal como o de uma criança que recebe uma maçã de alguém que a possui e que a prometeu, se ela estendesse a mão para recebê-la. O que a mão é para a criança, a fé é para a perfeita salvação de Cristo. A mão não cria a maçã, não a completa nem confere merecimento à criança; apenas toma posse do fruto. A fé é escolhida por Deus para ser a receptora da salvação porque ela não pretende criar a salvação nem ajudá-la, mas contenta- se humildemente com recebê-la. A fé é a língua que roga o perdão, a mão que o recebe, mas jamais o preço que o adquire. A fé jamais elabora seu próprio argumento, mas apóia o argumento sobre o sangue de Cristo. Torna-se boa serva para trazer as riquezas do Senhor Jesus Cristo à alma, pois reconhece de onde ela mesma é derivada e sabe que somente a graça a atribui a alguém.
A fé, então, é, sem dúvida, selecionada porque dá toda glória a Deus. É ponto de fé que tenha de ser pela graça, e é ponto de graça que não haja vanglória, pois Deus não aceita o orgulho. Quanto mais orgulho, mais distância, e Deus não desejará aproximação do soberbo. Não concederá salvação que sugira ou permita orgulho humano. Paulo disse: “Não por obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.9). Portanto, a fé exclui a jactância. A mão que recebe a caridade não diz: “Graças a mim, recebi a caridade”. Tal seria um absurdo. Quando leva à boca o pedaço de pão, a mão não diz ao corpo: “Agradeça-me por alimentá-lo”. É natural que a mão faça coisa tão simples ainda que tão necessária. Assim, Deus escolheu a fé para ser a receptora do dom inefável de sua graça porque ela mesma não pode tomar nenhum crédito, mas simplesmente adorar o Deus gracioso, doador de todo bem. A fé coloca a coroa sobre a cabeça certa, isto é, a do Senhor; por isso o Senhor também a corou, dizendo:
“a tua fé te salvou; vai-te em paz”. Em segundo lugar, a fé é o canal da salvação porque é o método adequado para ligar a pessoa a Deus. Quando alguém confia em Deus, a fé é um ponto de união entre ele e Deus, e essa união lhe assegura a salvação. Podemos dizer que a fé nos salva no sentido de que ela nos liga a Deus, isto é, põe-nos em contato com ele. Tenho usado uma ilustração que devo repetir aqui porque não encontro outra melhor. Ouvi que, há alguns anos, um barco estava à deriva no rio Niágara e, com ele, dois homens eram levados pela correnteza, quando algumas pessoas que estavam na margem conseguiram lançar-lhes uma corda que alcançou a ambos. Um deles se agarrou firmemente à ponta da corda e foi puxado para a margem; o outro, porém, vendo um tronco igualmente à deriva, estultamente preferiu se agarrar a ele ao invés de à corda, pois o tronco lhe parecia maior e aparentemente mais seguro. Resultado:
o tronco e o homem despencaram pelas quedas do rio porque não havia união entre o tronco e a margem. O tamanho do tronco não foi de ajuda porque lhe faltava uma conexão vital para produzir segurança. Dessa maneira, quando uma pessoa confia em obras humanas, quer sacramentos quer bondade humana, ou outros ídolos, para sua salvação, certamente não será salva, pois não haverá conexão entre ela e Cristo. A fé, ainda que pareça ser apenas uma fina corda, está nas mãos do grande Deus que não está à deriva; seu infinito poder atua sobre a linha de conexão, puxando o homem para fora do rumo de destruição. Oh! Abençoada fé que nos une a Deus! Em terceiro lugar, a fé é escolhida porque ela toca o ponto motivador da ação. Até mesmo, nas coisas mais comuns, um certo tipo de fé age como motivador. Não seria errado dizer que tudo o que fazemos implica exercício de fé. Se caminho em meu escritório é porque creio que minhas pernas me carregarão.
Uma pessoa come porque acredita que a comida seja necessária; trabalha porque acredita no valor do dinheiro; e aceita um cheque porque acredita que o banco o honrará. Colombo chegou às Américas porque creu que havia um outro continente além do oceano; os peregrinos colonizaram a América porque creram que Deus estaria com eles nas praias rochosas. Imensas forças são geradas na bateria da graça e estendidas a toda a nossa natureza mediante a corrente da fé. Quando cremos em Cristo, e o coração toma posse de Deus, então, somos salvos do pecado, movidos ao arrependimento, à santidade, zelo, oração, consagração, e a todas as demais coisas graciosas. O que o óleo é para a máquina, o que a mola ou a pilha é para o relógio, o que as asas são para os pássaros, o que o marinheiro é para o barco, assim é a fé para todos os santos deveres e serviços. Tenha fé, e todas as graças se seguirão e manterão seu curso. Em quarto lugar, a fé tem o poder de operar o amor.
Ela influencia as afeições em relação a Deus e move o coração na direção das melhores coisas. Aquele que crê em Deus o amará acima de todas as coisas. “Com o coração se crê para a justiça” (Romanos 10.10). Consequentemente, Deus concede salvação mediante a fé porque ela habita ao lado da afeição do amor, e o amor é pai e nutriz de todo sentimento e ato santo. Amar a Deus significa obedecê-lo, e isso implica santidade. Amar a Deus e amar ao homem é conformar- se à imagem de Cristo – e isto é salvação. Em quinto lugar, a fé cria paz e alegria. Aquele que encontrou seu descanso e sua tranquilidade, é feliz e jubiloso, em preparação para o céu. Deus concede todos os dons mediante a fé e, por essa razão, entre outras, é que a fé que agora operou em nós a vida e o espírito, será eternamente manifestada no porvir, em um mundo superior e melhor de graça e de glória. A fé nos equipa com a armadura celeste para as lutas desta vida e nos educa para a vida que há de ser.
Ela habilita a pessoa a viver e morrer sem medo; prepara-nos para a ação e para o sofrimento – e para a glória. Deus escolheu o meio mais adequado para nos trazer sua graça e assegurar sua glória. Certamente a fé faz por nós o que nada mais poderia fazer: dá-nos alegria e paz, e move-nos para o descanso. Por que alguém desejaria obter a salvação por outros meios? Um antigo pregador disse: “Um servo tolo que se propõe a abrir uma porta trancada a chave, escorando-a com o ombro enquanto gira e puxa a maçaneta com toda a força, jamais a abrirá e entrará por ela. Logo virá alguém com a chave e facilmente abrirá a porta e entrará na sala. Os que querem ser salvos pelas obras estão, ao mesmo tempo, escorando e tentando abrir as portas dos céus, sem resultado. A fé, porém, é a chave que abre de vez os seus portais”. Leitor, não quer usar essa chave? O Senhor ordena que você creia no seu Filho, e você pode fazê-lo. Faça isso, e viva. Não é essa a promessa do evangelho:
“Quem crer e for batizado será salvo” (Marcos 16.16)? Qual poderia ser a sua objeção a um meio de salvação que se recomenda à misericórdia e à sabedoria de nosso gracioso Deus?
Ai de mim, que nada posso fazer!
Depois de ter aceitado a doutrina da expiação, e aprendido a grande verdade de que a salvação é mediante a fé no Senhor Jesus Cristo, o coração ansioso é, frequentemente, perturbado por um sentimento de incapacidade em relação a fazer aquilo que é bom. Muitas pessoas murmuram: “Nada posso fazer”. Tais pessoas não estão apenas apresentando desculpas para não fazer o que sabem que deve ser feito, mas, de fato, sentem que a vida cristã é um peso que carregam no dia a dia. Elas fariam o certo, se pudessem. Poderiam, até mesmo, dizer honestamente: “pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo” (Romanos 7.18). Tal sentimento poderá fazer parecer que todo o evangelho é invalidado ou anulado, pois de que adiantaria servir comida a um homem faminto, se ele não puder ter acesso a ela? De que valeria o rio das águas da vida, se não pudéssemos beber delas? Lembro-me da história do médico e o filho da mulher pobre.
O sábio clínico disse-lhe que seu pequeno deveria ser posto sob tratamento: seria absolutamente necessário que o menino bebesse regularmente de um vinho caríssimo e que passasse uma temporada em um conhecido spa germânico! Disse isto para uma pobre mulher que sequer teria o que comer! Parece que, para o coração atribulado, um evangelho de mero “creia e viva” não é afinal, muito simples, pois pede ao pobre pecador aquilo que ele não pode fazer. Para a pessoa realmente despertada, mas apenas parcialmente instruída, parece estar faltando um elo na corrente. Maravilhosa é a salvação em Cristo, mas quem poderá alcançá-la? A alma está fraca e não sabe o que fazer. Ela habita fora da cidade de refúgio e não consegue passar por suas portas. Será que tal desejo de poder espiritual é fornecido no plano de salvação? Ele é! A obra do Senhor é perfeita. Começa aqui, onde nós estamos, e nada pede de nós a fim de ser completada.
Quando o bom samaritano viu o homem caído à beira da passagem ferido e à morte, não pediu que ele se erguesse e o seguisse até a hospedaria. Não, ele foi até onde o viajor estava e lhe ministrou ajuda, levantando-o e pondo-o sobre o jumento, levou-o à segurança da estalagem. Assim o Senhor lida conosco em nosso estado de impiedade e de fraqueza. Sabemos que ele nos justifica, que ele justifica o ímpio pela graça mediante a fé no precioso sangue de Jesus. Temos de ver, agora, em que condição tais ímpios se encontram quando Jesus opera neles a salvação. Muitas pessoas despertadas são atribuladas não apenas pelo pecado, mas também por suas fraquezas. Elas não têm forças para deixar de olhar para o estado de queda em que estavam nem para sobreviver nos dias que se seguem. Lamentam não apenas acerca dos malfeitos passados, mas também sobre aquilo que não podem fazer. Sentem-se desprovidas de poder, sem ajuda e espiritualmente desfalecidas.
Talvez soe estranho dizer que se sentem exânimes, mas, realmente, é assim que se sentem. Estão, segundo sua própria avaliação, incapazes para fazer o bem. Não conseguem caminhar para o céu porque seus ossos estão quebrados. “Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem” (Isaías 40.30). Felizmente, está escrito, há provisão do Senhor para nós: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios” (Romanos 5.6). Aqui, vemos a consciência desesperada, sendo socorrida – socorrida pela interposição do Senhor Jesus Cristo. Nossa incapacidade é extrema. Não está escrito: Quando éramos relativamente fracos, Cristo morreu por nós; nem: Quando éramos um pouco fracos. A descrição é absolutamente irrestrita: “Quando ainda éramos fracos”. Não temos nenhum poder que possa nos auxiliar para a salvação. As palavras de Jesus são verdadeiras e enfáticas: “sem mim nada podeis fazer”. Eu poderia citar mais, e lembrá-lo do grande amor com que o Senhor nos amou:
Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, – pela graça sois salvos (Efésios 2.4-5).
“Estar morto” é expressão bem mais forte do que “estar fraco”. A única coisa que o pobre pecador incapaz tem sobre o que fixar a mente e reter com firmeza, como sua única base de esperança, é a divina certeza de que “Cristo morreu a seu tempo pelos ímpios”. Creia nisto, e toda a incapacidade e inabilidade desaparecerão. Tal como na fábula de Midas, que tornava em ouro tudo o que tocava, assim será, de maneira positiva, que tudo o que você tocar se transformará em ouro de justiça e de bondade. Nossas próprias necessidades e fraquezas se tornarão em bênçãos quando tocadas pela graça mediante a fé. Consideremos certas formas de tal desejo de poder. Para começar, uma pessoa poderá dizer:
“Mas eu não pareço ter poder para juntar meus pensamentos e mantê-los fixados em nenhum tópico importante concernente à minha salvação; uma breve oração já me parece muito. Talvez seja assim, parte por causa da minha fraqueza natural, parte porque me feri demais na dissipação do pecado, parte porque me preocupo demais com as coisas deste mundo, de maneira que me sinto incapaz para pensar sobre as coisas necessárias para a salvação da alma”. Esta é uma forma comum de fraqueza pecaminosa. Note isto! Você se encontra incapaz neste momento, e há muitas pessoas que se sentem como você. Elas não podem concatenar uma corrente de pensamentos para salvar suas vidas. Muitos há que são iletrados e despreparados, e muitos que acharão que o trabalho árduo já é pensamento suficientemente profundo. Outros há que são tão superficiais por natureza que sequer conseguem seguir uma linha de raciocínio sem sentir que estão voando.
Jamais poderiam obter o conhecimento de nenhum mistério profundo, ainda que gastassem toda a vida nesse mister. Você não precisa, portanto, de gastar-se em desespero: tudo o que é necessário para a salvação é simplesmente confiar em Deus. Apegue-se a este único fato: “Cristo morreu a seu tempo pelos ímpios”. Tal verdade não requererá de você nenhuma pesquisa ou raciocínio mais profundo. Aí está: quando éramos fracos, Cristo morreu por nós, contados entre os ímpios. Fixe sua mente nisso, e descanse em tal profundo pensamento. Deixe que este único, grande, gracioso e glorioso fato habite em seu espírito até que ele perfume os seus pensamentos e o faça regozijar ainda mesmo quando você se sentir sem forças, considerando que o Senhor se faz sua força e canção. Sim, ele se tornou sua salvação. Segundo a Escritura, este é um fato revelado, que, no devido tempo, Cristo morreu pelos ímpios quando éramos ainda fracos.
Você já leu e ouviu estas palavras tantas vezes, e ainda não percebeu seu profundo significado. Há um sabor estimulante nelas, não há? Cristo não morreu por causa das nossas justiças, mas morreu pelos nossos pecados. Ele não veio para nos salvar por que merecêssemos a salvação, mas porque éramos absolutamente indignos, arruinados e dissolutos. Ele não veio à terra por causa de qualquer mérito que houvesse em nós, mas unicamente por razões que ele extrai das profundezas de seu divino amor. No tempo devido ele morreu por aqueles que ele mesmo descreve não como piedosos, mas como ímpios. Ainda que você não possa compreender tudo, apegue-se a essa verdade, a qual pode ser apreendida pela pessoa de menor e de maior capacidade, e de deliciar o mais pesado do coração. Deixe que tais palavras de verdade estejam sob sua língua como um delicioso bocado, até que se dissolva em seu coração e espalhe seu sabor a todos os seus pensamentos.
Então, não importará se tais pensamentos sejam raros como folhas de outono ou de abundante florescência. Pessoas que jamais foram brilhantes nem mentalmente originais e pessoas de estudo e arte já puderam aceitar a doutrina da cruz, satisfazendo o coração. Por que você não faria o mesmo? Ouço alguém a clamar: “Mas minha força consiste apenas nisto: jamais poderei me arrepender de maneira suficiente”. Que curiosa ideia as pessoas têm acerca do que seja o arrependimento! Muitas imaginam que o arrependimento consista de muitas lágrimas derramadas, muitas dores e ais e desespero suportados. De onde vêm tal noção tão sem sentido? Descrença e desespero são pecados; portanto, não entendo como possam ser elementos constituintes do arrependimento aceitável diante de Deus. Ainda assim, há muitas pessoas que as consideram como partes necessárias da verdadeira experiência cristã. Tais pessoas laboram em erro.
Contudo, eu sei o que elas pretendem, pois, nos dias de minha escuridão, também já me senti dessa maneira. Desejava me arrepender, mas pensava que não iria conseguir – súbito, eu estava arrependido. Estranho como possa parecer, sentia que não conseguiria sentir. Eu costumava me colocar num canto e chorar porque não conseguia chorar. Cai em profunda e amarga dor porque não conseguir sofrer em função do pecado. Que tamanha confusão existe quando em nosso estado de incredulidade passamos a julgar a nossa própria condição. É como um cego olhando para os seus próprios olhos. Meu coração se desfazia de medo dentro em mim porque eu pensava que ele fosse duro como pedra. Meu coração se partia ante a ideia de que ele fosse inquebrantável. Agora vejo que eu exibia exatamente aquilo que eu pensava não possuir. Antes, eu nem sabia aonde estava. Ah! Que eu possa ajudar outros a ver a luz que hoje eu gozo!
Pudesse dizer uma palavra que atalhasse o tempo de sua peregrinação, eu diria as palavras de Jesus sobre o Consolador, em João 16, para aplicá-las ao seu coração: “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei. Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque não crêem em mim; da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado”. Lembre-se de que a pessoa que realmente se arrepende jamais se satisfaz com seu próprio arrependimento. Não poderíamos nos arrepender mais perfeitamente, do mesmo modo que não poderíamos viver perfeitamente. Por mais puras que sejam nossas lágrimas, sempre haverá alguma poeira nos olhos. Sempre haverá algo de que se arrepender em nosso melhor arrependimento. Mas escute!
Arrepender-se significa mudar sua mente quanto ao pecado e quando a Cristo e as grandes coisas de Deus. Há sentimentos de tristeza envolvidos aí, mas o ponto principal é a mudança do coração, do pecado para Cristo. Se houver tal mudança, terá havido a essência do verdadeiro arrependimento, mesmo que nenhum alarme ou desespero lance sobras em sua mente. Se você não consegue se arrepender como deveria, talvez seja de grande ajuda se você crer firmemente que “a seu tempo Cristo morreu pelos ímpios”. Pense nisto vezes mais vezes. Como poderia você continuar com o coração endurecido quando sabe que por causa do amor supremo que Deus tem por você “Cristo morreu pelos ímpios”? Permita-me tentar persuadi-lo a arrazoar consigo mesmo, assim: Ímpio como sou, mesmo que meu coração de ferro não ceda, mesmo que eu golpeie o meu próprio peito, ainda assim, Cristo morreu por mim tal como estou, pois ele morreu pelos ímpios.
Que eu creia nisto e sinta o poder convencedor do Espírito quebrantar meu coração empedernido! Bloqueie qualquer outra reflexão que venha à sua alma e se assente por uma hora, meditando profundamente sobre tal demonstração de amor imerecido, inesperado e sem igual: “Cristo morreu pelos ímpios”. Leia cuidadosamente a narrativa da morte de Jesus na obra dos quatro evangelistas. Se há alguma coisa que comova seu coração obstinado, será a visão dos sofrimentos de Jesus e a consideração de que ele sofreu todas as coisas em favor dos seus inimigos. Ao contemplar a tua cruz E o que sofreste ali, meu Senhor, Sei que não há, ó meu Jesus, Um bem maior que o teu amor. Quero somente me gloriar Na tua cruz, meu Salvador, Pois sei que morreste em meu lugar! Teu, sempre teu serei, Senhor. Ao contemplar a tua cruz, O teu sofrer, o teu penar, Quão leve sinto, ó meu Jesus, A que me deste a carregar.
Tudo o que eu posso consagrar Ao teu serviço, ao teu louvor, Em nada poderei pagar Ao que me dás em Teu amor. Amém. (J. Watts – M. S. Porto Filho) A cruz é a vara maravilhosa que pode tirar água da rocha, como foi com Moisés. Se você entender o pleno significado do divino sacrifício de Jesus, certamente se arrependerá de haver se oposto Àquele que é pleno de amor. Está escrito: “olharão para aquele a quem traspassaram; pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele como se chora amargamente pelo primogênito” (Zacarias 12.10). O arrependimento não faz com que a pessoa veja a Cristo, mas ver Cristo provoca o arrependimento. Você jamais verá a Cristo a partir do seu arrependimento, antes, deve buscar arrependimento nele. O Espírito Santo, fazendo-nos olhar para Cristo, faz-nos deixar o pecado.
Olhe adiante, então, para a causa e o efeito do pecado, a partir da perspectiva do arrependimento em relação a Cristo e ao pecado, o qual foi erguido no madeiro para dar arrependimento. Ouvi alguém dizer: Estou atormentado por pensamentos.horríveis. Onde quer que vá, blasfêmias espoucam em minha mente, Frequentemente, no trabalho, forças ameaçadoramente sugestivas se impõem sobre mim. Até mesmo em minha cama sou roubado do sono por murmúrios do maligno. Não posso fugir a tais horríveis tentações. Amigo, sei o que é, sentir tais coisas, pois eu mesmo sou assombrado por sombras e por feras. Tentar dominar os próprios pensamentos, quando eles são controlados pelo diabo, é o mesmo que lutar contra um enxame de moscas, usando uma espada. A pobre alma tentada, assaltada por sugestões demoníacas, é como um viandante de quem se tem notícia, sobre o qual sobreveio um enxame de abelhas. Ele não podia mantê-las afastadas nem fugir delas. Picaram-no na cabeça e nos braços, deixando-o semimorto.
Não é de admirar que você se sinta sem forças para fazer parar tais abomináveis e ignominiosos pensamentos que o poder de Satanás coloca em sua alma. Contudo, quero lembrar-lhe as palavras da Escritura:
Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios (Romanos 5.6).
Jesus sabia onde estávamos e onde deveríamos estar; ele viu que não poderíamos vencer o príncipe das potestades do ar; ele sabia que seríamos atacados por tais forças; e quando nos viu em tais condições, Cristo morreu pelos ímpios. Lance a âncora de sua fé sobre tal fato: “Cristo morreu pelos ímpios”. O próprio diabo não pode lhe dizer que você não seja ímpio; creia, então, que Jesus morreu, até mesmo, por pessoas como eu e você. Lembre-se da maneira como Martinho Lutero se propôs cortar a cabeça do diabo com a própria espada de sua acusação. “Você é um pecador”, afirmou-lhe o diabo. “Sim”, respondeu-lhe Lutero, “Cristo morreu para salvar os pecadores”. Assim, o arrependido Martinho decapitou o acusador com sua própria espada. Corra para este refúgio e permaneça nele: “Cristo morreu para salvar os pecadores”.
Se você permanecer nessa verdade, seus pensamentos blasfemos, os quais você não tem poder para afastar ou para fugir, ir-se-ão por si mesmos, pois o diabo verá que opera sem propósito, quando os sugere à sua alma. Tais pensamento, se você os odeia, não serão mais que investidas do diabo, pelas quais ele é o responsável, não você. Se você lutar contra eles, não serão mais do que falsidades e imprecações de arruaceiros. É por meio de tais pensamentos que o diabo quer levá-lo ao desespero ou, pelo menos, afastá-lo da confiança em Jesus. A mulher pobre e doente não podia chegar até Jesus por causa da multidão que se comprimia ao seu redor, e você se encontra na mesma condição por causa da pressão de tais terríveis pensamentos. Entretanto, a mulher tocou com os dedos a orla da veste do Senhor, e foi curada. Faça o mesmo. Jesus morreu por pessoas culpadas de “pecado e blasfêmia”, e, portanto, estou certo de que ele não recusará aqueles que estão presos de maus pensamentos.
Lance-se sobre ele, pensamentos e tudo mais, e veja se ele não é poderoso para salvar. Ele pode silenciar os terríveis murmúrios demoníacos ou expô-los à sua luz para que você não mais os tema. À sua própria maneira, o Senhor pode e quer salvá-lo, e o levará à plena paz. Somente confie nele para tal salvação e todos os seus benefícios. Triste perplexidez é tal forma de “incapacidade” e tal forma de “poder” para crer. Não nos é estranha a desculpa: “Eu quero crer, mas não consigo” ou “Não depende de mim, mas de Deus; se ele quer que eu creia...” Muitas pessoas permanecem nas trevas durante anos porque presumem que lhes falta poder para, como elas mesma dizem, “entregar todo poder e repousar o poder nas mãos de outra pessoa”, no caso, Jesus Cristo. De fato, é uma coisa curiosa toda essa questão, pois as pessoas não obtém muita ajuda da tentativa de crer. A crença não vem da tentativa de crer.
Se uma pessoa faz uma declaração sobre algo que ocorreu no dia, eu não deveria dizer-lhe que tentaria crer nela. Se creio na veracidade do fato contado pela pessoa que fala comigo, deverei aceitar seu testemunho. Se não julgo que ela seja verdadeira, deveria, obviamente, desacreditá-la. Jamais deveria tentar crer ou descrer dela. Agora, quando Deus declara que há salvação em Jesus Cristo, eu devo crer nele ou fazê-lo mentiroso. Certamente você não hesitará em concordar que o passo certo neste caso é que o testemunho de Deus é verdadeiro e que somos levados prontamente a crer em Jesus. É possível que você tenha tentado demasiadamente crer. Não almeje coisas maiores do que as que Jesus nos deu de graça. Esteja satisfeito com a fé com a qual você pode reter nas mãos esta verdade: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios”. Ele entregou sua vida por pessoas que ainda não criam nem ainda podiam crer nele.
Morreu não por crentes, mas por pecadores incrédulos. Ele veio para tornar pecadores em crentes e santos, mas, quando morreu por eles, ainda os via como fracos e ímpios. Se você se ativer à verdade de que Cristo morreu pelo ímpio, e crer nisso, sua fé o salvará, e você poderá prosseguir em paz com Deus. Se você confiar sua alma a Jesus, o que morreu pelos ímpios, ainda que você não consiga crer em todas as coisas, e não possa remover montanhas nem realizar outros sinais e maravilhas, ainda assim estará salvo. Não é uma grande fé que salva, mas a fé verdadeira; e a salvação não reside na fé, mas em Cristo em quem a fé confia – ele é a graça de Deus. A fé como um grão de mostarda apreende a salvação. Não é a medida da fé, mas a sinceridade da fé, que deve ser considerada. Certamente, uma pessoa pode crer naquilo que ele sabe ser a verdade; e como você sabe que Jesus é a verdade, você, meu amigo, pode crer nele.
A cruz, que é o objeto da fé, é também, pelo poder do Espírito Santo, a causa da fé. Sente-se e contemple a morte do Salvador até que a fé brote, pelo poder do Espírito, em seu coração. Não há lugar como o Calvário para criar confiança. O ar do monte sagrado, onde você estiver, trará saúde para a fé enferma. Muitos observadores têm cantado: Junto a cruz de Jesus Cristo, Meus olhos podem ver Um vulto agonizante, Por mim, ali morrer! Então, estremecido, Contemplo o grande amor! Amor incomparável, Por mim, vil pecador! (1 a . estrofe – E. C. Clephane – J. Costa) “Ah!” diz outro, “meu desejo de força para crer vai nessa direção, mas não consigo abandonar os meus pecados, e sei que não posso ir aos céus, levando-os às costas. Alegra- me que você saiba disso, pois é verdadeiro. Você tem de se divorciar de seus pecados para que possa se casar com Jesus. Lembre-se daquilo que aclarou a mente do jovem Bunyan:
“Você prefere manter os seus pecados e ir para o inferno ou deixar seu pecados e ir para o céu?” Tal pensamento o fez chegar a um ponto sem outra saída. É a questão que todo ser humano terá de responder, pois não há como prosseguir pecando e ir para o céu. Isto não pode ocorrer (pois a verdadeira graça anula o pecado, a verdadeira fé odeia o pecado e o verdadeiro arrependimento abandona o pecado). Você terá de deixar o pecado ou rejeitar a graça. Você poderá replicar: “Sim, eu quero a qualquer custo. O querer está em mim, não sei como realizá-lo”. Venha então, mesmo sem forças, pois o texto é verdadeiro: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios”. Você pode crer nisto? Conquanto muitas coisas pareçam contradizer seu sentimento, você pode crer? Deus o declarou e, portanto, é um fato. Apegue-se a ele como ao fôlego de vida, pois toda esperança reside nele. Creia na obra de Cristo e confie nele, e breve achará poder com o qual acabar com o pecado.
À parte de Jesus, o diabo, como o valente armado, o manterá escravo do pecado. Pessoalmente, jamais pude vencer minha própria pecabilidade. Tentei e falhei. Minha propensão para o mal era demais para as minhas forças, até que, crendo que Cristo morreu por mim, entreguei-lhe minha alma cheia de culpa e recebi em troca um princípio pelo qual sobrepujei meu ser pecaminoso. A doutrina da cruz pode ser usada para matar o pecado da mesma maneira que os antigos guerreiros usavam suas espadas de duas mãos para vencer seus inimigos. Nada há que seja igual a depositar a fé no Amigo do pecador: ele vence todo mal. Se Cristo morreu por mim, injusto como sou, sem forças como estou, então já não posso viver pecando, mas tenho de amar e servir aquele que me redimiu. Não posso congraçar com o pecado pelo qual meu melhor Amigo morreu. Tenho de ser santo por causa do seu nome. Como poderia viver em pecado quando ele morreu para dele me redimir?
Vê que esplêndida ajuda é, para você que se sente sem forças, saber e crer que, no devido tempo, Cristo morreu por ímpios tais como éramos você e eu? Já apreendeu a ideia?
É difícil para nossa mente obscurecida, danificada e incrédula, compreender a essência do evangelho. Às vezes, ao pregar, penso que estou expondo o evangelho de maneira tão clara que sequer o nariz no rosto de alguém poderia ser mais evidente; no entanto, percebo que o mais inteligente dos ouvintes tem dificuldade para entender o significado da frase: “Crê no Senhor e serás salvo”. Alguns convertidos, comumente, dizem que não compreenderam o evangelho até quando, um dia, tal e tal...; e muitas vezes, eles o tinham ouvido ao longo de anos. O evangelho, muitas vezes, permanece desconhecido não por falta de explanação, mas por falta de revelação pessoal. Esta, o Espírito Santo está pronto a fornecer, e o revelará a quem pedir. E quando isso ocorrer, a soma total das verdades reveladas poderão ser resumidas nestas palavras. “Cristo morreu pelo ímpio”. Posso até mesmo ouvir outra pessoa redarguir: Minha fraqueza está exatamente nisto, que não consigo reter tal ideia em minha mente!
Ouço a palavra no domingo e fico impressionado, mas, durante a semana, encontro pessoas que não conhecem o evangelho, e todos os meus bons sentimentos desaparecem. Meus colegas de trabalho não crêem em nada, e dizem coisas terríveis, às quais sequer posso responder, sentindo-me, então, completamente arrasado. Conheço bem esse tipo de flexibilidade plástica, e tremo ao pensar em tais pessoas. Entretanto, se elas estiverem sendo realmente sinceras, até mesmo em sua fraqueza poderão encontrar a graça divina. O Espírito Santo pode afastar o espírito de temor de homens que as assalta. Ele pode tornar o covarde em corajoso. Lembre-se, meu vacilante amigo, você não deve permanecer nesse estado. Não será bom para você. Levante-se e enfrente a si mesmo; veja se você quer ser como um sapo sob a ameaça do ancinho, com medo de saltar para salvar a vida e de ficar para enfrentar a morte. Você tem mente própria!
Não se trata apenas de uma questão religiosa, mas que diz respeito à totalidade da vida comum. Eu faria muitas coisas para agradar meus amigos, mas ir ao inferno com eles seria mais do que eu poderia aventurar. Estaria bem fazer isto e aquilo por uma boa amizade, mas não perder a amizade de Deus para ficar bem com os amigos. “Eu sei disso”, dirá tal pessoa, “mas, ainda que eu saiba, não crio coragem. Não consigo me firmar”. Bem, eu repito o mesmo texto a você: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios”. Se o apóstolo Pedro estivesse aqui, diria: O Senhor Jesus morreu por mim quando eu era ainda tão fraco que até mesmo uma serva que vigiava o fogo fez-me mentir e negar o Senhor. Sim, Jesus morreu por aqueles que o evitaram e o rejeitaram. Firme-se nesta verdade: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios”. Esse o seu caminho para fora da covardia.
Leve à alma esta verdade: Cristo morreu por mim, e você verá que estará pronto para morrer e viver por ele. Creia que ele sofreu em seu lugar e se encherá de assombrosa coragem. Considere os santos da época dos mártires. Nos primeiros dias do cristianismo, quando o pensamento do grande amor de Cristo cintilava em todo seu frescor na igreja, as pessoas estavam não apenas dispostas a morrer, mas ambicionavam tal sofrimento, até mesmo apresentando-se aos tribunais para confessar o nome de Jesus Cristo, o Senhor. Não digo que agiam com sabedoria ao cortejarem a morte, mas isso prova meu ponto, de que o sentimento do amor de Jesus elevava suas mentes acima de todo medo que pudessem ter. Por que o amor de Deus não teria o mesmo efeito em você? Oh! Que tal amor o inspire agora à ousada decisão de se colocar ao lado de Jesus para segui-lo até o fim! Que o Espírito Santo nos ajude a chegar até lá pela fé no Senhor Jesus!
O aumento da fé
Seria possível fazer aumentar a nossa fé? Esta é uma questão honesta para muitas pessoas que alegam que querem, mas não conseguem crer. Certamente, muitas coisas sem sentido são ditas a esse respeito e deveríamos ser práticos ao lidar com elas. Um bom senso comum é tão necessário em termos de religião quando em outra coisa. “O que devo fazer a fim de crer?” Uma pessoa, indagada sobre a melhor maneira para realizar um certo ato, replicou que ela seria a de fazê-lo prontamente. Perdemos tempo, discutindo métodos, quando a ação é, de fato, muito simples. O modo mais simples para crer, é crendo. Se o Espírito Santo lhe faculta sinceridade, você crerá tão logo a verdade se lhe apresente. Crerá porque é verdade. O mandamento do evangelho é claro: Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo” (Atos 16.31). Vão será evitar tal enfrentamento por meio de questões e rodeios. A ordem é clara; que seja obedecida.
Ainda assim, se você tem dificuldade, leve sua incredulidade ao Senhor, em oração. Diga ao grande Pai aquilo que o confunde, e peça-lhe que seu Santo Espírito resolva a questão. Se eu não puder crer numa declaração em um livro, poderei perguntar ao seu autor sobre o significado dela, e, se ele for uma pessoa verdadeira, sua explicação irá me satisfazer. Quanto mais a divina explicação sobre os pontos difíceis da Escritura poderá satisfazer o coração do inquiridor honesto! O Senhor quer se dar a conhecer; achegue-se a ele e veja se não é assim. Recolha-se ao seu quarto, e clame: “Ó Espírito Santo, leva-me à tua verdade. Não o que eu sei, mas teu ensino”. Se, não obstante, a fé ainda parece ser coisa difícil, o Espírito Santo poderá capacitá-lo a crer por meio de repetida, frequente e honesta audição de seu próprio mandamento para crer. Cremos em muitas coisas sobre as quais ouvimos com frequência.
Não é comum na vida que, ouvindo alguma coisa ser repetida inúmeras vezes ao dia, sejamos motivados, pelos menos, a começar a crer nelas? Algumas pessoas chegam a crer até mesmo em declarações falsas por meio do método de repetição. Assim, não me admira que o Espírito Santo abençoe a audição repetida da sua verdade e que use tal método para promover a fé naquilo que deve ser crido. Está escrito: “A fé é pelo ouvir” (Romanos 10.17) . Se honesta e atentamente ouço o evangelho, em um destes dias acabarei crendo naquilo que ouvi, mediante a bendita operação do Espírito Santo em minha mente. Apenas se preocupe em obedecer o Espírito Santo, ouvindo o evangelho, e não distraia a sua mente ouvindo ou lendo aquilo que o confundirá ainda mais. Se, entretanto, a palavra pregada não for suficiente, o Espírito Santo reservou-lhe um passo mais: considere o testemunho de outros. Muitos pessoas creram por causa do que a mulher samaritana lhes dissera sobre Jesus.
Muitas de nossas crenças vêm do testemunho de terceiros. Eu creio que existe um país chamado Japão; jamais estive lá, mas creio que ele lugar existe mediante o testemunho de pessoas que lá estiveram. Creio que morrerei um dia; eu mesmo nunca morri, mas muitas pessoas já morreram e isso corrobora o testemunho bíblico de que eu morrerei também. Ouça aqueles que contam como foram salvos, como foram perdoados e como tiveram seus caracteres transformados. Se você considerar bem o que dizem, verá que tais pessoas eram como você, e foram salvas. Se tiver roubado a alguém algum valor material ou moral, descobrirá que um ladrão se rejubilou com lavar os seus pecados na fonte do sangue de Jesus. Se você tem sido física e moralmente impuro, descobrirá que muitos homens e mulheres já foram purificados e transformados por Jesus.
Se você se encontra em desespero, bastará andar junto com o povo de Deus durante algum tempo, e indagar um pouco, para descobrir que alguns dos santos já estiveram em igual situação, mas foram renovados em sua mente quanto à esperança em Deus. Seja grato pela providência que o fez pobre ou doente ou triste, pois, por meio de todas estas coisas, o Senhor opera em sua vida, trazendo-o a fé nele mesmo. A misericórdia do Senhor frequentemente passa à nossa porta montada no cavalo da aflição. Jesus usa o espectro inteiro de nossa experiência para retirar-nos deste mundo perverso e dar-nos um mundo celestial. Cristo é exaltado no trono celeste e terrestre a fim de que, por sua providência, submeta os nossos corações empedernidos, à graciosa comoção do arrependimento.
Jesus Cristo está operando, agora mesmo, por meio dos murmúrios da consciência, por meio do seu livro inspirado, a Bíblia, por meio dos que pregam as palavras desse livro, e por meio de amigos que lhe dão testemunho de sua fé e que oram por você. O Senhor pode enviar uma palavra que seja ao seu coração como a vara de Moisés que fendeu a rocha, e fazer jorrar de sua alma as fontes do arrependimento. Ele pode traze trazer à sua mente um texto da Escritura que lhe quebrante e conquiste o coração. Ele pode, misteriosamente, comover sua alma e, onde a consciência o acusa de oposição ao amor de Jesus e a ação do Espírito, abrir espaço para o arrependimento. Ainda que você ache difícil crer, tais testemunhas lhe dirão como o Senhor as libertou. Á medida que você ouve uma e outra pessoa que testou e provou a palavra do Senhor, o Espírito divino o levará a crer.
Você conhece a história do africano que vivia em isolação da nossa sociedade, que ouviu um missionário falar que, às vezes, a água podia se tornar tão dura que alguém poderia andar sobre ela? Ele declarou que cria em muitas coisas ditas pelo missionário, mas jamais poderia crer em tal mentira. Quando teve oportunidade de visitar a Inglaterra, durante o inverno, o africano passou por um rio congelado. Ele estava certo de que afundaria, se aventurasse andar sobre suas águas, até que o missionário e seus amigos foram em frente e andaram sobre o gelo. Persuadido, então, o africano confiou neles e experimentou com segurança a nova aventura. Assim, quando vê outros crerem no Cordeiro de Deus, e considera sua alegria e sua paz, você mesmo é levado a crer. A experiência de outras pessoas é uma das maneiras que Deus usa para nos ajudar em nossa falta de fé. Você tem, finalmente, de saber uma coisa: é crer em Deus ou morrer; não há esperança fora dele. A melhor coisa é:
considere a autoridade sobre a qual você deve lançar a sua fé. Não se trata da minha autoridade; essa você faria bem em rejeitar. Você é ordenado a crer baseado na autoridade do próprio Deus. Ele propõe que você creia em Jesus Cristo – e você não pode recusar obediência ao seu Criador. Um certo mestre de obras havia há muito ouvido o evangelho, mas vivia atribulado pelo medo de que jamais chegasse a Cristo. Seu empregador, um dia, enviou-lhe um bilhete com estas palavras: “Venha à minha casa imediatamente após o trabalho”. O mestre de obras apareceu à porta do seu patrão, só para ouvi-lo dizer: “O que é que você quer de mim a esta hora? O expediente está encerrado; por quer você está aqui?” “Senhor,” disse-lhe capataz, “recebi seu recado”.
Ora, replicou o chefe, “só porque você recebeu meu recado, resolveu me incomodar depois da hora do trabalho?” “Bem”, o empregado tentou argumentar, “eu não estou entendendo... uma vez chamado, vi-me obrigado e no direito de vir”. O dono da casa, então, sorriu, e disse: “Entre, João. Eu tenho outro recado que quero ler para você” – e, assentados, leu-lhe esta passagem da Bíblia:
Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. (Mateus 11.28)
Então, perguntou-lhe: “Você acha que, depois de tal mensagem de Cristo, haveria algo de errado com ir até ele?” O pobre homem viu, prontamente, a que vinha aquilo, e creu no Senhor Jesus Cristo para a vida eterna, pois percebeu quais eram a autoridade e a garantia sobre as quais lançava sua fé. Assim é com você, pobre alma! Você tem uma base de autoridade para crer, pois o próprio Senhor propõe que você creia nele.
Se tal ainda não lhe a inspira fé, pense sobre aquilo em que você deve crer – que o Senhor Jesus Cristo sofreu no lugar dos pecadores, sendo capaz para salvar aqueles que nele crêem. Por que é este o mais abençoado fato a que as pessoas são chamadas a crer? A mais doce, a mais confortante, a mais divina verdade jamais colocada ante nossas mentes mortais? Insto que você pense bem a esse respeito, e busque a graça e o amor aí contidos. Estude os quatro evangelistas, estude as epístolas de Paulo, e veja se a mensagem não é suficiente para despertar a fé. Pense sobre a pessoa de Cristo – sobre quem ele é, sobre o que ele fez e sobre o que ele disse. Como duvidar dele? Seria cruel desconfiar de Jesus, o fiel e verdadeiro. Ele nada fez para merecer desconfiança, pelo contrário, dever-se-ia confiar nele de todo coração. Por que crucificá-lo de novo com nossa descrença? Não seria isso coroá-lo com espinhos e, de novo, cuspir em sua face? O quê? Ele não merece confiança?
Que maior insulto lançaram os soldados sobre Cristo do que não crerem nele? Eles, no entanto, fizeram de Cristo um mártir, mas você o faz mentiroso – isto é bem pior. Não pergunte: Como posso crer? Antes, responda: Como você pode não crer? Se nenhuma destas coisas o convence, então há algo totalmente errado com você. Minha última palavra, nesse caso, é: Submeta-se a Deus! Preconceito ou orgulho estarão no fundo de toda descrença. Que o Espírito de Deus remova sua inimizade e o faça parar. Você é um rebelde, um rebelde orgulhoso, e, por isso, não pode crer em Deus. Abra mão de sua rebelião, lance fora suas armas; submeta-se ao Rei. Creio que jamais uma alma ergueu as mãos em desespero: “Senhor, eu me rendo”, sem que a fé se tornasse fácil e duradoura. A razão da descrença é que você ainda tem uma pendência com o Senhor, e prefere seguir a sua própria vontade e seu próprio caminho.
“Como podeis crer,”disse Cristo, “vós os que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único?” (João 5.44) Orgulho cria descrença. Submeta-se a Deus. Honre a Deus e docemente creia no seu Salvador. Que o Espírito Santo opere secreta e eficazmente em sua vida, e traga-o ao momento de crer no Senhor Jesus! Amém.
A regeneração e o Espírito
Importa-vos nascer de novo. (João 3.7)
Tais palavras do Senhor Jesus devem refulgir, para algumas pessoas, como a espada dos querubins às portas do Paraíso. Sentem- se desesperadas, pois suas possibilidades estão além dos maiores esforços. O novo nascimento do alto não habita o poder das criaturas. Longe de mim negar ou cancelar a verdade a fim de dar uma falsa ideia de conforto. Admito prontamente que o novo nascimento é supranatural e que não pode ser operado no homem por seu próprio esforço. Haveria de ser bem triste, se eu tentasse manter o meu leitor feliz, persuadindo-a a esquecer tal verdade inquestionável. Notavelmente, o mesmo capítulo em que Jesus apresenta tal declaração contém afirmações explícitas quando à salvação pela fé. Leia o terceiro capítulo do Evangelho de João e não pare nos versículos iniciais. É certo que o terceiro verso diz: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”.
Mas, então, nos versículos catorze e quinze, está escrito: “E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna”. E o versículo dezoito repete: “Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus”. Ficará evidente para qualquer leitor que essas duas declarações têm de ser coerentes, uma vez que vieram dos mesmos lábios e estão grafadas na mesma página inspirada. Por que fazer uma dificuldade onde não há nenhuma? Se uma afirmação nos assegura da necessidade de salvação, que somente o Senhor nos pode dar, e, se outra nos assegura de que o Senhor nos salvará mediante a fé em Cristo Jesus, então podemos, com toda certeza, concluir que o Senhor dará aos que nele crêem, tudo aquilo que for necessário para a salvação. O Senhor, de fato, realiza o novo nascimento a todos os que crêem em Jesus; e a própria fé é evidência de que nasceram de novo. Confiamos em Jesus para fazer aquilo que não podemos fazer por nós mesmos; se estivesse em nosso poder fazê-lo, para que considerar a obra de Deus em Cristo? De nossa parte, temos de receber pela fé; da parte de Deus, ele promete nos criar de novo. Ele não crerá por nós nem nós faremos a obra de regeneração em seu lugar. Basta que obedeçamos seu mandamento gracioso para que ele opere em nós o novo nascimento. Aquele que chegou ao ponto de morrer na cruz em nosso lugar, não nos dará também todas as coisas necessárias para nossa segurança eterna? Uma mudança salvadora de coração é obra do Espírito Santo. Esta é uma afirmação verdadeira que não poderá ser questionada nem afastada. Não obstante, a obra do Espírito Santo é secreta e misteriosa, podendo ser percebida somente pelos resultados. Assim como há mistérios envolvendo nosso nascimento natural, também existem mais mistérios, e maiores, nas operações do Espírito de Deus:
“O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito”. E sabemos de uma coisa: a obra misteriosa do Espírito Santo não poderá ser usada como desculpa para recusar a crença em Jesus, acerca de quem o próprio Espírito testifica. Se alguém tem de arar um campo e não o faz, não poderá desculpar sua negligência, dizendo que será inútil plantar a menos que Deus faça a semente crescer. Ninguém será justificado pela negligência em arar, baseado em que somente a secreta energia de Deus proporcionará a colheita. Ninguém será justificado ao negligenciar a fé baseado em que Deus é o responsável pela graça. Ninguém se furtará aos labores da vida com a desculpa de que, a menos que o Senhor construa a casa, em vão trabalha o obreiro. O certo é que nenhuma pessoa que creia em Jesus dirá que o Espírito se recusa a operar em sua alma. De fato, sua crença será prova de que o Espírito trabalha em seu coração.
Deus opera segundo sua providência, e tal providência requer das pessoas que não permaneçam imóveis. Sem o poder de Deus, tais pessoas sequer poderiam se mover; não obstante, seguiriam seu caminho sem nenhum questionamento. O poder de Deus lhes seria dado de graça, dia a dia. “Pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais .... pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17.25,28). Assim ocorre com a graça salvadora. Nós cremos e nos arrependemos, e não o poderíamos fazer sem a capacitação de quem nos dá todas as coisas. Confiamos em Jesus e deixamos o pecado, e só então percebemos que o Senhor operou nosso querer e nosso realizar segundo sua graciosa vontade. É vão imaginar que haja reais dificuldades em entender tais coisas. Algumas verdades, difíceis de serem explicadas com palavras, poderão ser facilmente esclarecidas pela experiência.
Não há discrepância entre a verdade em que os pecadores crêem para a salvação e o fato de que sua fé lhes seja concedida pelo Espírito Santo. Somente a estultícia poderá levar alguém a enganar a si mesmo enquanto sua alma corre tão grande perigo. Ninguém se recusaria a entrar num barco salva-vidas só por não conhecer a específica teoria do corpo imerso em água; nem uma pessoa faminta recusaria o alimento até que conhecesse o inteiro processo da nutrição. Se você, leitor, não quiser crer até que entenda todos os mistérios, jamais será salvo; e, se permitir a si mesmo imaginosas dificuldades para fugir ao perdão de Deus por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, você perecerá em justa e merecida condenação. Não cometa um suicídio espiritual por causa de uma paixão por sutilezas metafísicas.
“Meu Redentor vive”
Tenho me dirigido continuadamente ao meu leitor, com respeito à esperança para a sua culpa, em termos de “Cristo, e este crucificado”. Contudo, será sábio lembrar que o Senhor ressuscitou de entre os mortos e vive eternamente. Não peço que você confie num Jesus morto, mas em Jesus Cristo, o qual morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação. Você pode ir a Jesus como quem vai ao encontro de um amigo vivo e presente. Ele não é apenas uma memória, mas uma Pessoa continuamente existente que ouve e responde às suas orações. Ele vive para levar a cabo a obra que iniciou em sua vida. “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1.6). Ele está à direita do Pai, intercedendo pelos pecadores, capaz para salvar todo aquele que se aproxima de Deus por seu intermédio. Se você jamais provou, venha e prove o amor do seu Salvador vivo.
Ele agora já não é o servo humilde ante seus acusadores nem mais trabalha como o filho do carpinteiro, mas está exaltado sobre os principados e potestades e sobre todo nome. O Pai lhe deu todo poder nos céus e na terra, e ele exerce agora sua elevada posição para levar a cabo a obra da graça consumada na cruz e na ressurreição. Veja o que Pedro e outros apóstolos testificaram sobre ele diante do sumo sacerdote e do conselho judaico: O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados (Atos 5.30-31). A glória que cerca o elevado Senhor deveria inspirar esperança no peito de todo crente. Jesus não é uma pessoa qualquer, mas o supremo Salvador. Ele foi entronizado como Redentor da humanidade. Está investido da prerrogativa da vida e da morte; o Pai colocou todos os homens sob o governo mediador do Filho de modo que ele cumpra sua vontade. Ele abriu, e ninguém poderá fechar. Sob sua palavra, a alma libertada das cordas do pecado e da condenação jamais será novamente escravizada. Ele estende o cetro de prata e todo aquele que o tocar, viverá.
É certo que, tal como existem o pecado, a carne e o diabo (em uma esfera de morte), assim também vive Jesus; e tal como aqueles têm poder para nos arruinar, maior poder tem Jesus para nos salvar. Toda sua exaltação e todo seu poder são contados como nossos. Ele é exaltado para “ser” e exaltado para “dar”. Exaltado para ser Príncipe e Salvador, e nos dará tudo o que for necessário para completar a salvação de todos que estejam sob seu governo. Jesus nada tem que não use para a salvação do pecador e nada que não conceda na abundância de sua graça. “Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida” (Romanos 5.10). Ele une seu principado ao ministério da salvação como sendo, um e outro, o mesmo, e realiza sua exaltação em abençoar pessoas como se estas fossem jóias na coroa de sua glória.
Poderia algo mais ser melhor planejado para levantar as esperanças do pecador que olha na direção de Cristo? Jesus suportou grande humilhação em troca da qual recebeu toda exaltação. Por meio de tal humilhação, ele suportou e cumpriu a vontade do Pai, sendo recompensado com subida glória. E ele usa sua exaltação em favor do seu povo. Que o meu leitor alce os olhos para os montes dessa glória, de onde somente poderá vir auxílio. Que ele contemple as altas glórias do Príncipe e Salvador. Não é a mais alta esperança, que um Homem agora ocupe o trono do universo? Temos uma Amigo no tribunal; sim, um Amigo no trono. Ele usará toda sua influência em favor daqueles que entregam suas causas às suas mãos. Venha, amigo, e entregue sua causa àquele que teve, um dia, as mãos feridas e que, agora, se entrega à defesa de nossa causa, àquele que tem o anel do poder e da honra reais. Nenhum processo falhará, que tenha sido entregue ao grande Advogado.
Arrependimento e perdão
Fica claro, a partir do texto há pouco citado, que o arrependimento está ligado ao perdão dos pecados. Em Atos 5.31, lemos, sobre Jesus, que “Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados”. Estas duas bênçãos, arrependimento e perdão, vêm das mãos sagradas que um dia foram pregadas na cruz, mas que, agora, estão erguidas em glória. Arrependimento e perdão são bênçãos arraigadas ao propósito eterno de Deus. Aquilo que Deus juntou, homem nenhum poderá separar. Arrependimento também está ligado à remissão − e você notará isso, se pensar um pouco mais sobre esse assunto. Não poderá haver perdão de pecados para um pecador impenitente; tal o confirmaria em seus caminhos maus e o ensinaria a avaliar por pouco o pecado e o perdão. Se o Senhor dissesse:
Você ama o pecado e vive nele, indo de mal a pior, mas, não obstante, eu fecho os olhos para o seu pecado”, seria o mesmo que editar uma horrível permissão para pecar. A fundação da ordem social seria removida, e a anarquia moral estaria instalada. Sequer posso contar os inúmeros erros que ocorreriam, se fosse possível dividir arrependimento e perdão, passando por sobre o pecado enquanto o pecador permaneceria sem remissão para sempre. Na própria natureza das coisas, se cremos realmente na santidade de Deus, tem de ser que, se continuarmos vivendo em pecado, sem arrependimento, não restará perdão, e teremos de enfrentar as consequências de nossa obstinação. Segundo a infinita bondade de Deus, é-nos prometido que, se deixarmos os nossos pecados, confessando-os e aceitando, mediante a fé, a graça providenciada em Jesus Cristo, Deus é fiel e justo para perdoar nossos pecados e nos purificar de toda injustiça.
Mas, enquanto Deus viver, não haverá promessa de misericórdia para aqueles que continuam nos seus maus caminhos e se recusam a reconhecer seus malfeitos. Certamente, nenhum rebelde poderá esperar o perdão do Rei pela sua traição enquanto permanecer em revolta aberta. Ninguém será tão estulto a ponto de imaginar que o Juiz de toda a terra deixará de lado os pecados, se o pecador se recusar ele mesmo a abandoná-los. Além disso, tal deverá acorrer por causa da plenitude da misericórdia divina. Um tipo de misericórdia que pudesse perdoar o pecador e deixá-lo viver no pecado seria uma misericórdia falsa, além de superficial. Seria uma misericórdia deformada e injusta, apoiada em um de seus pés e desprovida de uma das mãos. Qual é, pense um pouco, o maior privilégio: livrar alguém da culpa do pecado ou libertá-lo do poder do pecado? Não tentarei pesar em balança dois atos de misericórdia tão sobrepujantes.
Nem me parece que ser liberto do domínio do pecado, ser feito santo, ser refeito à imagem de Deus, deveria ser considerado a maior misericórdia entre ambas as graças, se é que podemos fazer comparação. Ser perdoado é um favor imensurável. Deus é aquele que perdoa o ímpio. Mas, se pudéssemos ser perdoados e deixados livres para amar o pecado, para espojar na rebelião e na iniquidade, para chafurdar na luxúria, qual sentido teria tal perdão? Não seria mais um doce venenoso que acabaria por nos destruir? Ser lavado e ainda permanecer na lama, ser declarado limpo e ter na pele a mostra da lepra, seria apenas um mau arremedo de misericórdia. De que adianta trazer uma pessoa para fora de seu túmulo, se for para deixá-la morta? Para que levar alguém à luz, se ela continuar cega? Graças a Deus pelo seu perdão de pecados que também nos cura a alma. Aquele que nos lava as manchas do passado também nos ergue dos caminhos estultos do presente e previne que caiamos, no futuro.
Havemos de aceitar, jubilosamente, o conjunto de arrependimento e remissão; tais bênçãos não podem ser separadas. A herança pactual é uma e indivisível e jamais poderá ser parcelada. Dividir a obra da graça seria o mesmo que separar uma criança viva em duas metades. Certamente, quem o permitisse seria criminosamente insensível. Pergunto se você, que parece buscar o Senhor, ou melhor, que parece ser buscado por ele, estaria satisfeito com apenas metade da misericórdia? Seria satisfatório para você, se Deus perdoasse os seus pecados e o abandonasse a uma vida mundana e ímpia como antes? Oh, não! O espírito redivivo tem mais medo do pecado do que da sua própria penalidade. O grito do coração não será: “Quem poderá livrar minha alma da punição!” Antes, será: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos 7.24) Quem me habilitará a viver acima das tentações e a me tornar santo como Deus é santo?
Uma vez que a unidade de arrependimento e remissão concordam com gracioso desejo, uma vez que ela é necessária para a plenitude da salvação e para nossa santificação, esteja certo de que você habite nelas. Arrependimento e perdão são colocados juntos na experiência de todos os cristãos. Jamais houve alguém que, estando sinceramente arrependido dos seus pecados, com fé arrependida, não tivesse sido perdoado; e, por outro lado, jamais houve alguém que tivesse sido perdoado sem que se arrependesse dos seus pecados. Não hesito em dizer que, abaixo dos céus, jamais houve, há ou haverá nenhum caso de purificação de pecados a menos que, ao mesmo tempo, o coração tenha sido levado à fé e ao arrependimento em relação a Cristo. Abandono do pecado e senso de perdão são coisas que chegam juntas à alma e habitam nela eternamente. Há duas coisas que agem e reagem uma em relação à outra: a pessoa perdoada terá sempre se arrependido; e aquela que se arrepende será sempre perdoada.
Lembre-se sempre disto: o perdão conduz ao arrependimento. Quando estamos certos do perdão, passamos a repudiar a iniquidade. Creio, assim, que, quando a fé cresce até a plena segurança − de maneira que tenhamos certeza, sem sombra de dúvida, de que o sangue de Jesus lavou nosso pecado, tornando-nos mais alvos do que neve − aí é quando o arrependimento alcança suas maiores alturas. O arrependimento cresce à medida que cresce a fé. Não se engane a esse respeito: arrependimento não é coisa de dias ou semanas, uma penitência temporária a ser cumprida o mais rápido possível! Não, é uma graça para durar a vida inteira. Que todos os filhos de Deus, meninos e meninas, jovens, pais e velhos se arrependam. O arrependimento é companheiro inseparável da fé. Uma vez que andamos pela fé e não pelo que vemos, as lágrimas do arrependimento brilharão sempre nos olhos da fé.
Não será verdadeiro o arrependimento que não proceda da fé em Jesus, assim como não será verdadeira a fé em Jesus que não venha nas cores do arrependimento. Fé a arrependimento, tal como irmãos siameses, são vitalmente ligadas. Na proporção que cremos no amor perdoador de Jesus, nos arrependemos; e na proporção que nos arrependemos do pecado e rejeitamos o mal, nos alegramos na plenitude da justificação que Jesus nos atribui. Você jamais avaliará o perdão até que sinta o arrependimento; e jamais provará o ato do arrependimento até que conheça o perdão. Pode parecer estranho, mas é assim mesmo − o amargor do arrependimento e a doçura do perdão se misturam no gosto gracioso da vida, produzindo felicidade incomparável. Tais dons do pacto divino são mútuas seguranças entre si. Se eu sei que me arrependo, sei também que sou perdoado. Como saber se sou perdoado, exceto se souber que retornei dos meus antigos caminhos de pecado? Ser um crente é ser um penitente.
Fé e arrependimento são dois lados da mesma moeda. O arrependimento já foi descrito como um coração ferido pelo pecado e tirado do pecado. Pode ser descrito também pelos termos tornar e retornar. É uma mudança de mente do tipo mais completo e radical, com dor em relação ao passado e com disposição de mudança em relação ao futuro. Nesse caso, poderemos ter certeza de que fomos perdoados, pois o Senhor jamais deixou um coração ferido pelo pecado e tirado do pecado, sem que o perdoasse. Se, por outro lado, gozamos o perdão por meio do sangue de Jesus, somos justificados mediante a fé, e temos paz com Deus por intermédio de Jesus Cristo, nosso Senhor, sabemos que nossa fé e nossos arrependimento são do tipo certo. Jamais considere seu arrependimento como causa de sua remissão, mas como acompanhante dela. Não espere ser capaz de arrependimento até que veja a graça de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e sua prontidão para remover o seu pecado.
Mantenha tais coisas em seus devidos lugares, e considere-as em relação uma a outra. Elas são como dois pilares da mesma experiência. São como os pilares da frente do templo de Salomão e ornam magnificamente a entrada do lugar santo. Ninguém vem à Deus satisfatoriamente, exceto aquele que passa entre os pilares do arrependimento e da remissão. O arco-íris do pacto da graça se estende em toda a sua beleza sobre a alma quando as lágrimas sinceras do arrependimento refratam a luz do perdão divino. Arrependimento de pecados e fé no perdão divino são as ramas e a trama da urdidura da conversão verdadeira. Por meios de tais sinais o verdadeiro salvo é conhecido. Eis-nos de volta à Escritura, sobre a qual somos mediados: ambos, arrependimento e perdão fluem da mesma fonte e são dados pelo mesmo Salvador. O Senhor Jesus, em toda a sua glória, confere ambos à pessoa. Você jamais encontrará remissão nem arrependimento em nenhum outro lugar.
Jesus os tem à mão e está pronto para os conceder, agora mesmo, de graça, a todos os que o aceitam como Senhor e Salvador. Não nos esqueçamos jamais que Jesus concede tudo o que é necessário para nossa salvação. É muito importante que todos os que buscam a sua misericórdia estejam certos disto: a fé é tanto um dom de Deus para a salvação quanto o é o próprio Salvador sobre o qual tal fé repousa. O arrependimento de pecados é tão verdadeiramente obra da graça como a consumação da expiação pela qual os pecados são lavados. A salvação, do começo ao fim, é obra da graça somente. Não entenda de maneira errada; isso não quer dizer que o Espírito Santo é quem deve se arrepender. Ele nada fez de que tenha de se arrepender. Se ele pudesse se arrepender, não satisfaria a necessidade do caso. Nós é que temos de nos arrepender de nossos pecados, ou não seremos salvos do poder das trevas. Não é o Senhor Jesus que se arrepende. De que deveria ele se arrepender?
Nós é que temos de fazê-lo, e com toda força de nossa alma. A vontade, as afeições, as emoções – toda a obra interior se envolve no ato abençoado do arrependimento de pecados. Ainda assim, por trás de todo ato pessoal, está a influência santa e secreta que derrete o coração, que concede contrição e que produz completa mudança. O Espírito de Deus também nos move na direção da santificação, faz nosso coração apreciar, amar e desejar a santificação; dá-nos a motivação pela qual somos conduzidos a progredir em cada estágio da santificação. O Espírito de Deus opera em nossa vontade para agir segundo o bom desígnio de Deus. O Espírito de Cristo nos conduz à plena submissão para que nos acheguemos a Jesus, o qual, de graça, concede-nos a dupla bênção do arrependimento e da remissão, segundo as riquezas de sua graça. “Pela graça sois salvos”.
Como é dado o arrependimento
Considere o grande texto: “Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados” (Atos 5.31). O Senhor Jesus ascendeu aos céus depois de ressuscitar a fim de que sua graça viesse a nós na habitação do seu Espírito. Sua glória aumenta o valor da nossa herança de graça. O Senhor não ascendeu aos céus senão com o propósito de nos elevar juntamente com ele. Foi exaltado para conceder arrependimento − e nós o obteremos, se atentarmos a algumas verdades cruciais. A obra completa e consumada de Cristo, aceitável para Deus, torna o arrependimento possível, acessível e aceitável para nós. A lei não faz uso do arrependimento, mas deixa claro isto: “A alma que pecar, esta morrerá” (Ezequiel 18.20). Se o Senhor Jesus Cristo não tivesse morrido e ressuscitado e ascendido aos céus, de que valeria o seu ou o meu arrependimento?
Poderíamos sentir remorso pelas coisas que fazemos, e os horrores que o acompanham, mas jamais poderíamos sentir o arrependimento e suas esperanças. Arrependimento, como sentimento natural, é um dever comum que não implica mérito; de fato, ele vem, geralmente, tão misturado com o medo egoísta da punição, que a mais cândida avaliação revela nossa própria mesquinhez. Se o Senhor Jesus não tivesse se interposto e atribuído a nós os seus próprios méritos, nossas lágrimas de arrependimento seriam apenas água derramada em solo seco. Jesus foi exaltado para que as virtudes de sua intercessão propiciassem o nosso arrependimento diante de Deus. Nesse sentido, ele nos dá arrependimento, pois prontifica o nosso coração a essa mudança de mente e de propósito, sem o que jamais teríamos experimentado sua necessidade. Quando Jesus foi exaltado, o Espírito de Deus foi derramado para operar as graças necessárias ao nosso coração.
O Espírito Santo cria o arrependimento em nosso ser de maneira supranatural, renovando nossa natureza e removendo o coração de pedra de nossa carne, Oh! Não fique parado, apertando os olhos para produzir lágrimas impossíveis! O arrependimento não vem da natureza indisposta contra Deus, mas da graça divina, livre e soberana. Não busque a reclusão do seu quarto para espremer seu coração de pedra a fim de fazer brotar o que não está ali. Antes, vá à cruz e veja como Jesus morreu. Seu socorro não vem de outros montes, mas do monte do Calvário, da morte de Cristo, de quem somente vem a salvação. O Espírito Santo veio com o propósito de romper as sobras do espírito humano com o sopro do arrependimento. Mais uma vez, ele paira sobre as trevas e causa a ordem. Respire também, em oração: “Bendito Espírito, habita em mim. Torna-me humilde e manso de coração de maneira que eu seja capaz de abominar o pecado e sinceramente arrepender-me dele”.
O Espírito de Deus certamente o ouvirá e responderá sua oração. Lembre-se, também, que, quando foi exaltado, o Senhor não apenas nos deu o arrependimento, enviando seu Santo Espírito, mas consagrou todas as obras da natureza e da providência aos grandes fins da nossa salvação para chamar-nos ao arrependimento, quer no canto de um galo, como aconteceu com Pedro, quer no tremor da terra como ocorreu no caso do carcereiro que guardava Paulo e Silas.
À direita de Deus, o Senhor governa todas as coisas abaixo e orquestra sua operação para a salvação dos seus redimidos. Ele usa as coisas acres e as coisas doces para, quando você menos espera, produzir um estado mental santo em sua vida. Esteja certo de que aquele que subiu para a glória, alçado em todo esplendor e majestade de Deus, tem abundantes meios para operar o arrependimento no coração daqueles aos quais concedeu perdão. Ele, agora mesmo, quer lhe conceder o dom do arrependimento. Peça já o seu auxílio. Observe, com alívio, que o Senhor Jesus dá o arrependimentos às pessoas mais inesperadas. Ele foi exaltado para dar arrependimento a Israel. A Israel! Nos dias em que os apóstolos falavam, Israel era uma nação que pecava contra a luz e o amor de Deus, ousando dizer: “Seu sangue caia sobre nós e nossos filhos”. Sim, Jesus é exaltado para lhe trazer arrependimento! Que maravilhosa graça! Se você foi criado na mais luminosa luz cristã, mas a rejeitou, ainda assim há esperança.
Se você pecou contra Deus, ainda assim há esperança de sensibilidade para seu coração, pois Jesus foi exaltado e revestido de poder ilimitado. Até mesmo para aqueles que pecaram de maneira mais profunda e grave, o Senhor foi exaltado para lhes trazer arrependimento e perdão. Estou feliz por proclamar tal evangelho pleno! Feliz será você, se o abraçar. O coração dos filhos de Israel se tornou duro como diamante. Lutero chegou a pensar que seria impossível converter um judeu. Certamente, estamos longe de concordar com o reformador quanto a este ponto, mas admitimos que a semente de Israel se tornou exageradamente obstinada em sua rejeição do Salvador durantes estes muitos séculos. A Palavra diz: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (João 1.11). No entanto, o Senhor Jesus foi exaltado para trazer arrependimento a Israel. Provavelmente meu leitor será um gentio, mas de igual coração obstinado. “Ele estava no mundo, mas o mundo não o conheceu”.
Você tem estado contra o Senhor Jesus, rejeitando-o ou ignorando-o mas, ainda assim, ele veio para operar arrependimento em seu coração. O Senhor concede arrependimento à pessoas menos notadas, tornando leões em cordeiros, corvos em pombas. Considere a grande mudança que ele poderá trazer à sua vida. A contemplação da morte de Cristo é um meio certo e rápido para obtenção de arrependimento. Não espere tirar arrependimento das cisternas secas da natureza humana corrompida. É contrário às leis da mente, supor que você poderá forçar sua alma a um estado de graça. Antes, leve seu coração em súplicas diante do único que o entende, e diga: “Deus, purifica-me. Senhor, renova-me. Senhor, dá-me arrependimento”. Quanto mais você tentar produzir emoções penitentes em si mesmo, mais ficará frustrado; mas se você crer que Jesus morreu por você, verá brotar o arrependimento. Medite sobre o fato de que Jesus verteu seu sangue por amor a você.
Mantenha os olhos de sua mente firmado na agonia e no doce sangue vertido na paixão e na cruz, e verá que, apesar de toda a dor que sofreu por você, Jesus o olhará como olhou para Pedro, de maneira que você também vá e chore amargamente. Aquele que morreu por você, também o fará morrer para o pecado mediante o poder do seu Espírito. Aquele que entrou na glória é poderoso para arrastar sua alma para longe do pecado e para junto de si, em santidade. Estarei contente, se eu apenas deixar um pensamento com você: não olhe debaixo do gelo para encontrar fogo nem espere encontrar arrependimento em seu coração natural. Antes, olhe para aquele que vive a fim de encontrar vida. Olhe para Jesus a fim de expressar fé e arrependimento, e terá suprida as suas verdadeiras necessidades. Jamais busque fora de Jesus aquilo que só ele tem e que quer lhe conceder. Lembre-se: Cristo é tudo!
O Medo de falha final
As mentes de muitos que se achegam a Cristo são assombradas por temores de falhas. Tais pessoas têm medo de não conseguir perseverar até o final. Já ouvi uma pessoa interessada, dizer: “E, se entregar minha vida a Jesus e, porventura, retroceder em cair em perdição? Já tenho tido bons sentimentos em outras oportunidades, e todos se desvaneceram. Minha bondade tem sido passageira como nuvem solitária ou orvalho da manhã. As coisas me vêm de repente e logo se esvaem; prometem muito e duram pouco.” Bem, o que eu creio é que o medo é o pai do fato. Aquele que tem medo de confiar em Jesus durante todo o tempo, já falhou, pois fé temporária não é fé , antes, é como torcer para uma coisa dar certo. Semelhante fé não confia na graça para a salvação. Tais pessoas confiam em Cristo com medida restrita e olham para si mesmas para continuar e perseverar no caminho para o céu. Dessa maneira, já estão colocando a falha como uma consequência natural, retrocedendo antes de começar a jornada.
Se confiarmos em nós mesmos para assegurar nossa perseverança, estaremos tentando permanecer no ar, firmados em nossos próprios sapatos. Ainda que descansemos parte da nossa salvação em Jesus Cristo, falharemos se colocarmos a outra parte da confiança em qualquer outra coisa. Nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco: se Jesus for nossa esperança para todas as coisas, exceto para uma coisa, essa coisa que ele não é, certamente falhará. Não tenho dúvida de que o erro sobre a crença da perseverança tem levado muitos a supor que tenham falhado. “Por que continuar correndo, se já perdi a corrida?” Tais pessoas confiaram em si mesmas para vencer a corrida, e pararam no meio do caminho. Cuidado para não misturar ao cimento com o qual você constrói, pouco que seja, de você mesmo; a mistura não ligará as pedras do edifício. Se você olhou exclusivamente para Jesus logo no início, cuide de continuar com os olhos fitos nele, até o fim. Ele é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim.
Se você começou no Espírito, não deverá esperar que seja possível continuar na força da carne. Comece como você sabe que deve começar, e continue como você começou: deixe o Senhor ser tudo em você. Oh! Que Deus, o Santo Espírito, o Espírito de Cristo, dê-lhe a mais clara ideia da força que vem por sermos preservados até o dia da nova manifestação do Senhor Jesus! Sobre aquele que é o Alfa e o Ômega, Paulo disse: “o qual também vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo.
Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Coríntios 1.8-9). Tal linguagem, implicitamente, admite uma grande necessidade ao nos falar sobre sua provisão. Sempre que o Senhor faz uma provisão, é certo de que necessitamos dela, pois não há superficialidade no pacto da graça. Havia escudos de ouro pendurados na corte de Salomão, os quais jamais foram usados, mas não é assim na armadura de Deus. As coisas que Deus provê são necessárias e úteis. Entre agora e a hora da consumação dos tempos, todas as promessas de Deus e todas as provisões do pacto da graça serão conclamadas. A necessidade mais urgente da alma crente é a confirmação da graça, a continuação, a perseverança, a preservação até o fim. Tal é a grande necessidade do mais maduro dos crentes, como Paulo escreveu aos santos de Corinto, dizendo: Sempre dou graças a meu Deus a vosso respeito, a propósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus; porque, em tudo, fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento; assim como o testemunho de Cristo tem sido confirmado em vós, de maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual também vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Coríntios 1.4-7). Tais homens maduros são as pessoas que mais sentem necessidade da reafirmação diária da graça, à qual se apegam pela fé, firmemente, e tornam-se, finalmente, em vencedores. Se você não for um dos santos, nascido de novo pela graça mediante a fé, não sentirá necessidade de mais graça; mas, porque você é nascido de Deus, sente a necessidade de poder diário para a vida espiritual. Uma estátua de mármore não tem fome nem sede; mas pessoas vivas precisam de comida e bebida para viver − e se regozijam com o pão e o vinho da comunhão com o Senhor que lhe são assegurados no corpo e no sangue de Jesus Cristo.
O desejo pessoal do crente torna inevitável que ele derive dia a dia o suprimento para as suas necessidades, diretamente da fonte supridora, pois o que fará se não recorrer a seu Deus? Tal é verdadeiro a respeito dos mais dotados dos santos − a respeito das pessoas de Corinto, as quais foram enriquecidas com toda palavra e conhecimento. Elas precisavam de ser confirmadas de maneira cabal, ou seus dons e conquistas seriam para a sua própria ruína. Ainda que falássemos línguas de homens e de anjos, se não recebermos continuada graça, de que nos valerão tais riquezas? Ainda que tenhamos toda a experiência dos pais da igreja − ainda que fôssemos instruídos por Deus de maneira que entendêssemos todos os mistérios − não poderíamos viver um dia sequer sem a vida divina em nós, fluindo do Autor do pacto. Como poderíamos ter esperança por uma única hora, quanto mais por uma vida inteira, a menos que o Senhor nos mantenha em suas mãos?
“Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1.6) − ou tudo há de se revelar completa falha. Tal necessidade surge, em grande parte, de nós mesmos. Algumas pessoas temem que não perseverarão na graça porque conhecem a própria inconstância. Certas pessoas são naturalmente instáveis. Algumas são naturalmente conservadoras, para não dizer obstinadas, mas outras, são constitucionalmente instáveis e volúveis. Como borboletas, vão de flor em flor, visitando todas as belezas do jardim, e jamais se assentam em nenhuma delas. Jamais permanecem em um só lugar durante tempo bastante para realizar algo bom; nem mesmo em seus negócios ou buscas intelectuais. Tais pessoas poderão temer que dez, vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos de continuada vigilância religiosa seja demais para elas mesmas. Vemos pessoas filiarem-se a uma igreja depois de outra, até perderem a conta.
Experimentam de tudo, até notarem que já não têm mais nada. Tais pessoas têm uma dupla necessidade de oração: que sejam divinamente confirmadas e que permaneçam firmes e inabaláveis, pois, de outro modo, jamais serão “abundantes na obra do Senhor”. Todos nós, mesmo que não soframos tal tendência natural à instabilidade, teremos de sentir a própria fraqueza, se é que somos realmente movidos pelo Senhor. Amado amigo, não é suficiente fazê-lo tropeçar duas vezes no mesmo dia? Você que deseja andar em perfeita santidade, como creio que deseja, que coloca diante de si um alto padrão de vida cristã − não acha que, antes mesmo de a mesa do desjejum ter sido retirada, você já terá demonstrado estultícia suficiente para torná-lo envergonhado de si mesmo? Se nos isolássemos na reclusão de um eremita, ainda assim a tentação nos seguiria, pois, enquanto não pudermos escapar de nós mesmos, não poderemos escapar das incitações do pecado.
Tal constatação em nosso coração deveria nos tornar vigilantes e humildes diante de Deus. Se ele não nos confirmar, certamente tropeçaremos e cairemos, não vencidos por outro inimigo senão nós mesmos, isto é, nosso próprio descuido. Senhor, seja nossa força; somos demasiadamente fracos! Além disso, há o peso de uma longa vida. Quando primeiro fazemos nossa profissão da fé cristã, voamos alto como águias, sem qualquer hesitação e, durante algum tempo, corremos sem desmaiar em nossas almas. Depois, ainda que nossos passos pareçam mais lentos, somos mais úteis e melhor sustentados. Peço a Deus e a energia de nossa mocidade continue mantida pela energia do Espírito e não pelo orgulho da carne. Aquele que está acostumado a andar no caminho para o céu descobre que há uma boa razão para que a armadura prometida inclua calçados de ferro e bronze, pois a jornada é árdua. Como o Peregrino, de Bunyan, o crente descobre que há Montes de Dificuldade e Vales de Humilhação; que há Vales de Sobra da Morte e, pior ainda, Feiras de Vaidades − e tudo isso terá de ser transposto. Se há Planícies Aprazíveis (e, graças a Deus, elas existem), há também Castelos de Desespero no interior dos quais os peregrinos podem ser vistos. Considerando todas estas coisas, todos os que perseveram até o fim no caminho da santidade acabarão se tornando homens e mulheres admiráveis. “Ó mundo de maravilhas − não posso dizer menos do que isso”. Os dias de uma vida cristã são fios de misericórdia urdidos com os fios da fidelidade divina. Nos céus, nós contaremos aos anjos e aos principados e potestades acerca das inescrutáveis riquezas de Cristo que nos foram delegadas e das quais desfrutamos ao longo do caminho. Fomos guardados vivos ante a iminência da morte. Nossa vida espiritual foi uma chama ardente no fragor do mar, uma pedra suspensa no ar. O mundo quedará maravilhado, vendo-nos entrar pelos portais perolados, inculpáveis, no dia de nosso Senhor Jesus Cristo.
Deveríamos ser gratos, se tal maravilha se mantivesse apenas por uma hora − creia que ela será para sempre. Fosse apenas isso e haveria causa para ansiedade; mas ainda há muito mais. Temos de pensar sobre o tipo de lugar em que vivemos. O mundo é uma selva ululante para muitas pessoas dentre o povo de Deus. Alguns de nós temos imenso prazer na providência de Deus, mas outros lutam arduamente para sobreviver. Muito de nós começamos nosso dia com oração e ouvimos cantos de hinos de louvor em nossas casas; mas muitos de nossos bons irmãos raramente levantam seus joelhos do chão sem que tenham de ouvir uma blasfêmia. Vão ao trabalho e durante todo o dia são molestados por vis conversações, tais como aquelas a que foi submetido o justo Ló, em Sodoma. Poderia alguém andar nas ruas da cidade sem ter os ouvidos afligidos por palavras obscenas? O mundo não é amigável em relação à graça.
O melhor que podemos fazer neste mundo é passar por ele o mais rápido possível, pois habitamos em terreno inimigo. Um ladrão espreita em cada moita. Por todos os lugares temos de andar com a espada desembainhada nas mãos, ou, pelo menos, com a arma da oração do nosso lado, pois temos de contender a cada passo. Não se engane a esse respeito, ou você será tremendamente abalado pela desilusão. Ó Deus, ajuda-nos e confirma-nos até o fim, pois, de outro modo, sequer sabemos o seria de nós. A religião verdadeira é supranatural em seu início, continua sendo supranatural e será supranatural na sua finalização. É obra do Senhor do começo ao fim. É para isso que a mão do Senhor está sempre estendida e firme: para suprir para a necessidade que o meu leitor deve estar sentindo agora e que eu, certamente, sinto. Portanto, olhemos para o Senhor o único em quem habita a nossa preservação e que é capaz para impedir que caiamos – e para glorificar-nos com seu Filho.
Confirmação
Quero que você observe a segurança da expectativa de Paulo quanto a todos os salvos e preservados em Cristo. Ele diz: “aguardando vós a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual também vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Coríntios 1.7-8). Este é o tipo de confirmação a ser colocada acima de todas as coisas mais desejáveis. Você vê? Ela implica que as pessoas sejam justas (justificadas), e propõe que elas sejam confirmadas na justiça. Seria realmente terrível confirmar uma pessoa em seus caminhos de pecado e de erro. Imagine, um bêbado confirmado, um ladrão confirmado, um mentiroso confirmado. Seria algo deplorável para uma pessoa, ser confirmada em sua descrença e impiedade. A confirmação divina somente poderá ser usufruída por aqueles aos quais a graça de Deus já foi manifestada. Tal é a obra do Espírito Santo. Aquele que concede também fortalece e estabelece a fé.
Aquele que derrama amor em nosso coração também aumenta e preserva a sua chama. Aquilo que conhecemos dos seus primeiros ensinos, o bom Espírito nos leva a conhecer com maior luz e certeza por meio de mais instrução e entendimento. Atos santos são confirmados até que se tornem hábitos santos, e sentimentos santos são confirmados até que habitem em nossos corações. Experiência e prática confirmam nossas crenças e resoluções. Nossas alegria e tristezas, sucessos e falhas, são santificados até o propósito final tal como a árvore fortalece suas raízes por meio da chuva fina e dos vendavais. A mente é instruída, e o crescente conhecimento acha razões para perseverarem no bom caminho; o coração é confortado, cada vez mais próximo da verdade consoladora. A força do pulso aumenta, o passo se afirma e a pessoa se torna mais sólida e substancial. Não se trata de um mero crescimento natural, mas uma obra distinta do Espírito Santo, tal como a conversão.
O Senhor certamente concede o crescimento àqueles que depositam sua confiança nele para a vida eterna. Por meio de uma obra interna, o Espírito Santo livra-nos de sermos instáveis como a água, e torna-nos arraigados e fundados. Tal obra é parte do seu método para nossa salvação, edificando-nos em Jesus Cristo e fazendo- nos habitar nele. Querido leitor, você poderá, diariamente, buscar o crescimento na fé sem nenhuma expectativa de desapontamento.
Aquele em quem você confia o fará ser como árvore plantada junto a ribeiros de água, preservando sua folhagem, até mesmo na estação seca. Que força tamanha força é, para a igreja, estar confirmada em Cristo! Ele é conforto na angústia e ajuda na fraqueza. Você não gostaria de receber tal confirmação? Crentes confirmados são como pilares da casa de Deus. Jamais serão arrastados por ventos de doutrina nem derrubados por súbitas tentações. São esteios para os demais crentes e agem como âncoras para a igreja em tempos de provação. Você, que está começando a vida santa, dificilmente ousará esperar que se torne como eles, mas não tema: o bom Senhor que opera neles, operará em você também. Em um desses dias, você, que é agora apenas um “bebê” em Cristo, tornar-se-á um “pai” na igreja. Espere por este grande feito, mas espere-o como dom da graça, não como pagamento por horas de trabalho nem como produto de uma nova energia. O inspirado apóstolo Paulo fala sobre tais pessoas como tendo sido conformadas até o fim.
Ele esperava que a graça de Deus os preservasse individualmente até o fim de suas vidas, ou até que o Senhor voltasse. De fato, ele esperava que a totalidade da igreja de Deus em todos os lugares e tempos fosse guardada para o final da dispensação, até o dia em que o Senhor Jesus, o Noivo, celebre a festa de casamento com a noiva aperfeiçoada. Todos os que estão em Cristo estão confirmados nele para o dia memorável. Ele não disse: “Porque eu vivo, vós também vivereis” (João 14.19)? Disse também: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10.28). Aquele que começou a boa obra o confirmará até o dia de Cristo Jesus. A obra da graça na alma não é jamais uma reforma superficial; a nova vida implantada no novo nascimento provém de semente incorruptível, a qual vive e habita para sempre.
Nem as promessas de Deus feitas ao crentes têm caráter transitório, mas seu cumprimento envolve a manutenção do crente no caminho santo até o dia da eterna glória. Somos guardados pelo poder de Deus, mediante a fé para a salvação. O justo manterá seu caminho, não como resultado de seu próprio mérito, mas por causa do dom do favor gratuito e imerecido, pelo qual somos preservados para o grande dia. Dos que lhe foram dados, nenhum se perderá; nenhum membro do seu corpo será cortado; nenhuma jóia de seu tesouro estará perdida no dia da prestação de contas. Caro leitor, a salvação recebida mediante a fé não é coisa para meses ou anos: o nosso Senhor obteve para nós “eterna salvação”, e aquilo que é eterno não pode acabar. Paulo declara sua grande expectação de que os santos de Corinto seriam confirmados e inculpáveis até o fim. Tal inculpabilidade é parte preciosa da nossa segurança. Ser guardado santo é superior a ser guardado em segurança.
Terrível coisa é ver pessoas religiosas agindo sem nenhuma honra em relação umas as outras, pois tais pessoas não crêem no poder de nosso Senhor Jesus Cristo para as guardar inculpáveis. As vidas de alguns crentes meramente professos são cumuladas de tropeços; jamais se aquietam e, ao mesmo tempo, jamais permanecem sobre os próprios pés. Tal não é uma atitude adequada para o crente; ele foi chamado para andar com Deus, e, mediante a fé, ele pode e deveria obter perseverança firme na santidade. O Senhor é capaz não somente para nos salvar do inferno, mas também para nos guardar de tropeços. Não precisamos de ceder à tentação. Não está escrito: “O pecado não terá domínio sobre vós” (Romanos 6.14)? O Senhor é capaz para guardar os pés dos seus santos; e ele o fará em relação àqueles que nele confiam. Não precisamos de sujar nossas vestes, mas podemos conservá-las sem manchas no mundo, fiéis ao compromisso do pacto e certos de que, sem a santificação, ninguém verá o Senhor.
O apóstolo profetizou aos crentes de Filipos aquilo que nós também deveríamos buscar − isto é, sermos preservados íntegros e inculpáveis para o dia do Senhor Jesus Cristo. Algumas versões da Bíblia usam a palavra “irrepreensível” no lugar do termo “inculpável”. Uma boa tradução seria “impecável”. Deus garante que no último dia estaremos livres de acusação, que nada no universo inteiro ousará desafiar aqueles que são os redimidos do Senhor. Certamente temos pecados e fraquezas a lamentar, mas tais não são o tipo de falta que nos afastará de Cristo; estaremos livres de hipocrisia, engano, ódios e prazer pelo pecado; tais coisas, sim, seriam acusações fatais. A despeito de nossas falhas, o |Espírito Santo pode operar em nós um caráter impoluto diante dos homens. Tal como Daniel, não daremos ocasião para línguas acusadoras, exceto em termos de nossa religião.
Multidões de homens e mulheres de Deus têm exibido vidas tão transparentes, tão consistentes que ninguém poderá jamais contradizê-las. O Senhor dirá acerca de muitos crentes aquilo que disse a respeito de Jó, quando Satanás se pôs diante dele: “Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal” (Jó 1.8). Tal é o que o meu leitor deveria buscar. E este é o triunfo dos santos − continuar a seguir o Cordeiro aonde quer que ele vá, mantenho integridade diante do Deus vivo. Que jamais retrocedamos aos nossos caminhos desviados, dando razão para que o adversário blasfeme. Acerca do verdadeiro crente, está escrito: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o Maligno não lhe toca” (1João 5.18). Certamente, isso foi escrito para mim e para você! Amigo que inicia agora a vida divina, o Senhor lhe dá um novo caráter, e esse, irrepreensível.
Embora em sua vida pregressa você tenha ido longe no pecado, o Senhor pode livrá-lo de antigos hábitos e torná-lo um exemplo de virtude. Ele pode torná-lo moralmente íntegro, mas pode mais, fazê-lo abominar tudo o que é falso e seguir o verdadeiro em santidade. Jamais ponha isto em dúvida. O maior dos pecadores não ficará um centímetro aquém do mais puro dos santos. Creia nisto, e será segundo a sua fé. Oh! Que alegria será, ser encontrado inculpável no dia do julgamento! Que gozo será postar-me em pé no dia do juízo, certo de que ninguém intentará levantar acusação contra quem foi lavado no sangue de Jesus Cristo. Que regozijo será gozar de indômita coragem, quando os céus e a terra fugirem diante da face do Juiz de toda a criação. Tal ousadia será a porção de todos os que olharam somente para a graça de Deus em Cristo Jesus e lutaram a guerra santa contra todo mal.
Por que os santos perseveram
Já vimos que a esperança que encheu o coração de Paulo, quando escreveu aos irmãos de Corinto, é plena de conforto para aqueles que tremem, com medo do futuro. Mas por que é que ele cria que os irmãos seriam confirmados até o final? Note que o apóstolo apresenta suas razões. Eis algumas. “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Coríntios 1.9). O apóstolo não diz: “Você é fiel”. Nem pense isso! Não podemos confiar na fidelidade humana. Ele também não diz: “Você tem gente fiel para guiá-lo e, portanto, confio que você estará seguro”. Ah! Não! Se tivermos de ser guardados por homens, estaremos mal guardados. Na verdade, ele colocou assim: “Deus é fiel”. Se formos encontrados fiéis, será por que Deus é fiel. A responsabilidade total por nossa salvação deverá repousar sobre a fidelidade de Deus. Como a porta em seus gonzos, todas as coisas giram ao redor dos gloriosos atributos de Deus.
Nós somos variáveis como o vento, frágeis como teia de aranha, fracos como água. Nenhuma dependência poderá ser colocada sobre nossas qualidades naturais ou sobre nossas conquistas espirituais; mas Deus habita em fidelidade. Ele é fiel em seu amor; não sofre variação nem sombra de mudança. É fiel ao seu propósito; não começa uma obra que não termine. É fiel aos seus relacionamentos; como pai, ele não rejeita seus filhos, como amigo, não rejeita seu povo, e como Criador, ele não se esquece das obras de suas mãos. Ele é fiel às suas promessas e não permitirá que nenhuma delas falhe a um único crente. Ele é fiel ao pacto que fez conosco em Jesus Cristo, ratificando-o com o sangue de seu sacrifício. É fiel ao seu Filho, e não permitirá que seu precioso sangue tenha sido vertido em vão. É fiel ao povo a quem prometeu vida eterna e a quem jamais abandonará. Essa fidelidade de Deus é a pedra fundamental da esperança de nossa perseverança final.
Os santos perseverarão em santidade por que Deus persevera em graça. Ele prossegue em abençoar e, portanto, os santos continuarão a ser abençoados. Ele prossegue em guardar o seu povo, e o seu povo continua a guardar seus mandamentos. Esse é um chão firme sobre o qual podemos descansar. É consistente com o título deste pequeno livro: Tudo pela graça. São seu favor gratuito e sua infinita misericórdia que soam como música na alvorada da salvação e cuja melodia permanece por todo o dia da graça. Você já sabe que em nosso Deus estão as únicas razões para esperar que sejamos confirmados até o final, e que seremos encontrados finalmente inculpáveis. No entanto, há mais. Nele, essas razões excelem em abundância. Elas residem, primeiro, naquilo que Deus já fez. Ele fez tanto para nos abençoar que é impossível que volte atrás. Paulo nos lembra que ele nos chamou “para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo”. Veja bem: ele nos chamou?
Então, esse chamado não poderá ser revertido, pois “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Romanos 11.29). Desde o chamado efetivo, ele jamais se arrepende de sua graça. “Aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8.30). Essa é uma regra invariável do procedimento divino. Há um chamado comum, do qual o Senhor diz: “muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mateus 20.16), mas, este sobre o qual estamos pensando, é outro tipo de chamado, marca de amor especial que requer a posse daquele que é chamado. Nesse caso, ocorre com aquele que é chamado o mesmo que aconteceu com Abraão, de quem Deus disse: “a quem tomei desde os confins da terra e te chamei dentre os seus mais excelentes e te disse: tu és o meu servo, a ti te escolhi e não te rejeitei” (Isaías 41.9). Em tudo aquilo que Deus já fez, eu vejo fortes razões para nossa preservação e glória futura, pois o Senhor nos chamou para a comunhão do seu Filho, Jesus Cristo.
Isso significa que ele nos chamou para participar com Cristo. Quero que você considere atentamente sobre o que isso significa. Se você é realmente um dos que são chamados pela graça divina, então, deverá vir à comunhão do Senhor Jesus Cristo para ser sócio proprietário de todas as coisas. Daí em diante, você será um com ele, à vista do Altíssimo. O Senhor Jesus levou nossos pecados em seu próprio corpo, na cruz, sendo feito maldição em nosso lugar e, ao mesmo tempo, tornando-se nossa justiça, para que você fosse justificado nele. Você é de Cristo e Cristo é seu. Tal como Adão representou seus descendentes quanto ao pecado, assim Cristo representou todos os que estão nele. Assim como marido e mulher se tornam um, Jesus é um com todos os que, pela fé, a ele se unem. Trata-se de uma unidade conjugal que não pode ser rompida. Mais do que isso, os crentes são membros do corpo de Cristo e, portanto, um com ele por meio de uma união viva, amorosa e permanente.
Deus nos chamou a essa união, comunhão, participação e, exatamente por isso, conferiu-nos a marca e o penhor da promessa de que seríamos confirmados até o fim. Se fossemos considerados à parte de Cristo, seríamos pobres unidades perecíveis e, em breve, dispostas para destruição. Mas, sendo um com Cristo, somos feitos participantes de sua natureza, e dotados de sua vida imortal. Nosso destino está ligado ao do nosso Senhor, e somente se ele pudesse ser destruído, seria possível que perecêssemos. Habite totalmente nessa participação com o Filho de Deus, diante de quem você foi chamado a estar: toda sua esperança reside ali. Você jamais será um desprovido enquanto Cristo for sua riqueza, pois você é um com ele na empreitada. A necessidade ansiosa jamais o assaltará, uma vez que você é sócio proprietário daquele que possui céus e terra.
Jamais poderá falhar, pois, ainda que um dos sócios seja pobre como um rato de igreja – e que esteja, por si mesmo, falido, sequer podendo pagar uma parcela das dívidas – ainda assim, o outro sócio é inconcebível e copiosamente rico. Nessa parceria, você é levado acima da depressão dos tempos, das mudanças do futuro e do choque do final de todas as coisas. O Senhor o chamou para a comunhão do seu Filho, Jesus Cristo, e por meio dessa obra e ato, ele o colocou em um lugar de infalível segurança. Se você for, de fato, um crente, é também um com Jesus Cristo e, portando está em completa segurança. Percebe que é necessário que isso seja assim? Você tem de ser confirmado até o fim, até o dia da volta de Jesus – se é que realmente você foi feito um com Jesus mediante o ato irrevogável de Deus. Cristo e o pecador redimido estão no mesmo barco: a menos que Jesus naufrague, o crente jamais se afogará.
Jesus tomou seus redimidos a tal união com ele mesmo, que seria preciso que ele fosse atacado, vencido, desonrado, antes que um dos seus remidos recebesse injúria. Seu nome está na fachada da empresa e, a menos que ele seja demitido ou esteja falido, nós estamos seguros contra a ameaça de falha. Assim, então, com a mais subida confiança, avancemos para o futuro, para nós, desconhecido, eternamente ligados a Jesus. Se os homens do mundo perguntassem: “Quem é esta que sobe do deserto e vem encostada ao seu amado (Cantares 8.5)?” – nós jubilosamente confessaríamos que nos debruçamos sobre Jesus, e que desejaríamos abraçá- lo mais e mais. Nosso Deus fiel e uma fonte transbordante de delícias, e nossa comunhão com o Filho de Deus é um rio pleno de alegria. Conhecendo essas coisas gloriosas, não poderemos ser desencorajados: não, antes, clamaremos com o apóstolo:
Quem nos separará do amor de Cristo? (Romanos 8.35)