20/11/2015

Multiculturalismo, atalho para a barbárie

Por Felipe Melo, portal MSM

Sexta-feira 13 tem a fama de ser um dia de azar. As explicações do porquê são as mais variadas. Os supersticiosos redobram sua atenção, cobrem-se de cuidados, tudo para evitar serem atingidos pela má sorte do dia. Ontem foi uma sexta-feira 13. E o que vimos acontecer em Paris não tem nada a ver com azar, com má sorte, com qualquer confluência não-ordenada de situações ruins que culminam em tragédia. Muito pelo contrário.

A contagem oficial das autoridades francesas dá conta que 153 foram assassinadas. Mais de duas centenas de pessoas ficaram feridas, a metade em estado grave. Oito terroristas morreram, sete deles em atentados suicidas. Somente na casa de shows Bataclan, mais de 100 pessoas foram executadas sob gritos de “Allah’u Akbar!” – “Deus é Maior”, em árabe. Acontecia, no Stade de France, um jogo amistoso entre as seleções nacionais de futebol da França e da Alemanha. A democrata cristã Angela Merkel, chanceler alemã, estava presente. O socialista François Hollande, presidente francês, também. Foram evacuados. Mais tarde, Hollande falou em rede nacional, confirmou os atentados e anunciou três medidas: fechamento imediato das fronteiras, declaração de estado de emergência e imposição de um toque de recolher (o que não era feito desde a Segunda Guerra Mundial). Hollande também determinou a convocação de um gabinete de crise para compreender o que realmente aconteceu – quem foram os agressores, o que os motivou e como evitar que coisas semelhantes aconteçam.

A França, fille aînée de l’Église, sabe quem foram os agressores, o que os motivou e como combatê-los. E ela sabe disso desde o ano 732, quando Charles Martel derrotou as forças islâmicas lideradas pelo abássida Abd Ar-Rahman Al Ghafiqi na Batalha de Tours. Há séculos, todo o Ocidente sabe que o objetivo central do Islamismo é submeter o mundo inteiro, transformando a Casa da Guerra (dar-al Harb) na Casa do Islã (dar-al Islam); que a Sharīʿah, a expressão imutável dos mandamentos de Allah para o homem, determina a execução da guerra contra os infiéis (jihād); que a jihād é uma obrigação individual de cada muçulmano (fardh al-’ayn), uma vez que emana da vontade de Allah. A compreensão dessas verdades está presente na civilização ocidental desde São João Damasceno – em cuja obra “De Haeresibus”, no capítulo 101, analisa o Islã como uma heresia cristã – até o acadêmico Bernard Lewis. Em seu livro “The Political Language of Islam”, Lewis esclarece o que é a jihād (tradução livre, grifos meus):

De acordo com o ensinamento islâmico, a jihād é um dos mandamentos básicos da fé, uma obrigação imposta a todos os muçulmanos por Deus, através da revelação. Em uma guerra ofensiva, é uma obrigação da comunidade como um todo (farḍ kifāya); em uma guerra defensiva, torna-se obrigação pessoal de todo homem muçulmano adulto (farḍ ‘ayn). […] A base da obrigação da jihād é a universalidade da revelação islâmica. A palavra e a mensagem de Deus são destinadas a todos os homens; é dever daqueles que as aceitaram se esforçar (jāhada) incessantemente para converter ou, ao menos, subjugar aqueles que não aceitaram. Essa obrigação não tem limite no tempo ou no espaço. Ela deve continuar até que todo o mundo ou tenha aceitado a fé islâmica, ou tenha se submetido ao poder do Estado islâmico. (Bernard Lewis, “The Political Language of Islam”. London: The University of Chicago Press, 1988, p. 73.)

Se há séculos sabemos os meandros do Islamismo, como é possível que a França – e, em última instância, o Ocidente – tenha permitido que tamanha atrocidade, cometida por fundamentalistas islâmicos, pudesse acontecer dentro de sua própria casa? A resposta pode ser resumida em uma palavra: multiculturalismo.

Provavelmente, você nunca ouviu falar de Nur ad-Dīn Abd ar-Rahmān Jami. Poeta, teólogo e místico sufi, Jami viveu no século XV. Dentre suas histórias, há uma alegoria que explica perfeitamente a armadilha imposta pelo multiculturalismo. Essa alegoria ficou conhecida como “A Tartaruga e o Escorpião” (tradução livre):

Uma tartaruga nadava alegremente em um rio quando um escorpião que estava na margem chamou-a.

Por ser um péssimo nadador, o escorpião pediu à tartaruga que o carregasse em suas costas até a outra margem do rio. “Você está louco?”, exclamou a tartaruga. “Você irá me ferroar enquanto estiver nadando e eu me afogarei.”

“Querida tartaruga”, riu o escorpião, “se eu a ferroasse, você se afogaria e eu afundaria contigo, e me afogaria também. Onde está a lógica nisso?”

A tartaruga pensou bem, e viu lógica na explicação do escorpião. “Você está certo!”, disse a tartaruga. “Suba!” O escorpião subiu no casco da tartaruga e, quando estavam a meio caminho da outra margem, deu uma poderosa ferroada na tartaruga. Enquanto ambos afundavam nas águas do rio, a tartaruga disse, resignada:

“Você disse que não havia lógica em você me ferroar. Por que, então, você fez isso?”

“Isso não teve nada a ver com lógica”, disse o escorpião, que se afogava. “Essa é minha natureza.”

A natureza do Islamismo é a subjugação total do mundo inteiro sob um Estado teocrático, seja pela conversão, seja pela guerra. É isso que se depreende dos textos islâmicos clássicos – a jihād como uma espécie de luta ascética foi defendida por poucos teólogos xiitas no começo do Islã, e ganhou alguma força apenas em meados do século XIX. É essa a natureza filosófica, política, social e teológica do Estado Islâmico, que assumiu a autoria do massacre em Paris. É essa a natureza de todos os grupos islâmicos, grandes ou pequenos, que têm se aproveitado da doutrina multiculturalista presente na Europa para impor a Sharīʿah.

A França deu exemplos estupendos de firmeza, sobriedade, prudência e força ao longo de sua história – exemplos que não se restringiram apenas ao próprio país, mas que iluminaram toda a Europa. Só há saída real para essa chaga aberta no seio da civilização ocidental na retomada desses exemplos. Nomes como Charles Martel, Hugues de Payens, Godefroy de Bouillon, São Bernardo de Claraval e Rei São Luís IX precisam ser revisitados, não como longínquas referências de uma superada história de obscurantismo cristão, mas como exemplos vivos para nossa idade das trevas.

Nesse momento de dor e consternação, tenhamos em mente as palavras de Dostoiévski:

O Ocidente perdeu Cristo; eis a razão pela qual o Ocidente está para morrer – somente por esta razão!”